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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

"Persuasão", Jane Austen

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Último romance escrito por Jane Austen, "Persuasion" (em português, "Persuasão") foi finalizado em 1816 e publicado postmortem, em 1818. Posterior à "Emma", a obra tem um toque de sobriedade não encontrado em seus precessores, se contrapondo à vivacidade de "Pride and Prejudice" e a indulgência satírica de "Northanger Abbey". Enquanto títulos como "Sense and sensibility" indicam um conflito de valores discordantes, "Persuasion" é exclusivo em sua temática e, ainda assim, amplamente ambíguo. As obras citadas, associadas a "Mansfield Park", completam o conjunto de romances longos publicados pela autora, e, portanto, com esta resenha, o blog finalmente possui uma análise para cada uma das obras mais relevantes de Austen.
Anne Elliot, a segunda filha do barão Walter Elliot, é uma mulher de 28 anos tranquila e solitária. Ela carrega consigo uma seriedade melancólica. Seu único arrependimento na vida é de não haver se casado com Frederic Wentworth oito anos antes, quando ele havia proposto. Seu pai era contra a união e sua grande amiga, a sra. Russel, lhe havia persuadido de que esta era uma união desfavorável, pois Frederic não tinha relações sociais ou poder financeiro, mas apenas o futuro incerto de um oficial da Marinha em início de carreira. Após todos esses anos, no entanto, Frederic retorna rico e com o título de capitão, após adquirir grande prestígio por seu sucesso nas guerras napoleônicas. Ele guarda ainda uma grande amargura por Anne e, diante de uma mulher que foi tão facilmente manipulada, está convicto de que a ela falta caráter e firmeza de espírito. Muitas são suas pretendentes, incluindo as outras irmãs de Anne, a qual ele parece ignorar. Pelo menos, a princípio.
"Persuasion" é intrigantemente moderna na forma como nos apresenta a vida íntima de Anne. Nenhuma outra personagem parece familiarizada com seus sentimentos. Somente o leitor conhece suas verdadeiras emoções. Tímida e reservada, a modéstia de Anne chega a ser dolorosa. Ela toca piano muito bem, mas sente que, ao fazê-lo, está "satisfazendo somente a si mesma". Essa introversão da protagonista afeta a textura do romance, que, mais que qualquer outro de Austen, exige uma atenção especial aos detalhes. Da mesma forma que Anne está sempre atenta às mais leves nuances na fala de cada interlocutor, também o leitor precisa estar. Por exemplo, ao longo da obra, as palavras "persuadir", "persuasão" e "persuadível" aparecem por volta de 30 vezes, enfatizando a importância das escolhas pessoais e levantando um questionamento sobre qual é o melhor valor: a conviccção ou a flexibilidade. Afinal, se por um lado a flexibilidade é tantas vezes indispensável para promover a compreensão, incitar o diálogo e alimentar a empatia, por outro, a convicção nos ajuda a lidar com nossas próprias escolhas. Somente quando acreditamos nos caminhos que definimos para nós mesmos, conseguimos seguir sem remorso e arrependimento. A convicção nos dá clareza, ainda que tudo dê errado, por nos oferecer a certeza de trilharmos nossa própria estrada e sermos donos de nossa história. Mas, ao passo que a flexibilidade exacerbada pode nos tornar facilmente sugestionáveis, há uma linha muito tênue entre uma forte convicção e a arrogância. Determinação beira à teimosia e verdades absolutas constantemente nos conduzem a situações lamentáveis.

Ver imagem originalAo mesmo tempo, o livro apresenta interesse em problemas de maior âmbito social, como a mudança dos papéis do homem e da mulher na sociedade, refletida na alteração das expectativas, valores e conduta de cada um. Há uma contraposição direta entre dois grupos da sociedade na obra: os nobres de berço, representados por Sir Walter e os que, por mérito, conquistaram riqueza e patentes, onde se encontram Fréderic e seu irmão, o almirante Croft.
Logo no início, encontramos o Sr. Walter Elliot lendo seu livro preferido - um livro sobre aristocracia - cuja parte que mais lhe agrada é a que se trata dele mesmo. Seu notável narcisismo é o principal e único ponto que constitui seu caráter. Ele acredita que a aparência física é a melhor medida de valor de uma pessoa e esse seu superficial orgulho próprio é apoiado e compartilhado por outras personagens. Ele chega, em um momento, a afirmar que o sucesso naval nada mais é que uma forma de alavancar pessoas de berço inferior à uma distinção indevida. Por isso, quando descobre que o almirante Croft será seu inquilino, fica satisfeito não pelos méritos navais deste último, mas por achá-lo muito apresentável em termos de beleza, tão grande é sua futilidade.

No entanto, assim que o almirante chega à casa, logo se livra dos imensos espelhos do quarto do Sr. Walter, já que não não compartilha de seu pomposo egocentrismo. Além disso, é notável a diferença de relacionamento que o sr. Walter tem com sua mulher, quando comparado a de outros personagens. Ambos participam ativamente das atividades do outro: tanto a Sra. Croft conhece amplamente o ofício de seu marido, quanto o sr. Croft colabora bastante com as atividades domésticas. Eles também se dividem na hora de dirigir. Ou seja, levando em conta essas e outras características, pode-se afirmar que esse é o ideal de Austen de um casal moderno. A representação que Austen faz da Marinha carrega a ideia de uma sociedade aberta e meritocrática, na qual a autora acredita. Sua admiração por esta instituição pode ser também associada ao fato de dois de seus irmãos terem servido na guerras francesas, sendo que um deles tornou-se também almirante.

Ver imagem originalOutro ponto de contraste que podemos notar entre esses personagens é sua atitude com relação aos sentimentos. Enquanto o Sr. Walter é emocionalmente incapacitado, os Croft parecem possuir um autoconhecimento completo. Assim, "Persuasion" é também um romance sobre aprender a sentir. Apesar de iniciar-se no verão, a maior parte da história se passa no outono e no inverno e, assim, a atmosfera do livro é maculada pelo declínio. Nos é dito que Anne "foi uma bela menina, mas logo seu brilho devanesceu". Agora, aos 27 anos, ela está "velha demais" para ser ainda solteira.
A história do crescimento de Anne é também a história do desencadeamento de suas emoções. Logo no início, ela não é ninguém para o Sr. Walter e Elizabeth: sua palavra não tem peso, seu conforto sempre dá lugar ao dos outros. Ela chega a afirmar que "um forte senso de dever não é algo ruim para uma mulher" e, no entanto, seus sentimentos com relação a essa obrigação para com os outros precisam constantemente ser suplementados pela crença que ela possui em si mesma. Na verdade, ainda muito jovem, nossa protagonista havia sido forçada à prudência e somente aprendeu sobre romance quando já estava mais velha, uma sequela natural de sua infância incomum. Assim, com o passar do livro, suas emoções naturais vão sendo revitalizadas.
Ver imagem originalAo mesmo tempo, essas reais emoções precisam ser divulgadas discretamente. Por isso, o capitão Wentworth revela seus sentimentos por Anne numa carta. Este é um padrão no trabalho de Austen: as cartas permitem às personagens articular seus sentimentos de uma forma que, em público, seria inapropriada. No final, Frederic e Anne se reencontram no amor, agora de uma forma mais madura, consciente e, portanto, mais sólida. Mas, ainda assim, as incertezas sobre o futuro de Wentworth na Marinha, como a possibilidade de futuras guerras, ameaçam a felicidade de Anne. Nossa personagem parece, portanto, sempre fadada à melancolia.


Videocuriosidades:

Em sua maioria, as adaptações cinematográficas mais conhecidas - e nem tão conhecidas assim - de Persuasion estrearam na TV.
A rede BBC fez duas minisséries, uma em 1960 - com Daphne Slater e Paul Daneman - e outra em 1971 - com Anne Firbank e Bryan Marshall.
Em 1995, uma adaptação com Amanda Root e Cláran Hinds estrou na televisão.
Finalmente, outro filme televisivo estrou em 2007 com Sally Hawkins e Rupert Penry-Jones. Este último, que eu assisti, não é dos melhores e fica longe de adaptações como as de Emma  e Pride and Prejudice, mas se mantem fiel ao livro, nos ajudando a captar sua atmosfera melancólica e, talvez, por isso mesmo, não seja um filme tão atraente. 

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