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terça-feira, 26 de abril de 2016

"O diário de Anne Frank"

No ano de 1947, a primeira versão de "O diário de Anne Frank", intitulada "O anexo: notas do diário", foi publicada em sua língua original, o holandês. No entanto, somente quando traduzido para o inglês, em 1952, o livro conquista a crítica mundial e a atenção de leitores de diversos países. Existem três versões do diário: a versão A é a original, mantida desde o momento em que Anne recebe o diário até a última carta escrita; a versão B é a edição iniciada por ela mesma, quando, ao ouvir o pedido do ministro Bolkenstein na Radio Oranje para que refugiados lhe entregassem diários e anotações pessoais, ela decide publicá-lo após a guerra; e a versão C, uma reedição feita pelo pai de Anne Frank. 
Ver imagem originalA coletânea de trechos do diário foi muito bem elaborada no sentido de escolher as partes que fazem do livro uma obra literária, por vezes séria, mas por vezes adolescente. Há, inclusive, momentos de suspense, onde as famílias estão para serem descobertas, mas não o são, algo que poderia-se esperar de uma história fictícia, tornando o livro ainda mais interessante.
O livro não carrega a atmosfera pesada da Segunda Guerra Mundial. Muitos acontecimentos se dão rapidamente e de maneira prática, o que faz sentindo por não ser uma história romantizada, como "A Menina que Roubava Livros", mas verídica, permitindo, inclusive, que o leitor se veja capaz de lidar com essa situação, que, de tão aterrorizante, parece irreal, e, no entanto, é totalmente possível.
Annelies Marie Frank, ou simplesmente Anne Frank, nasceu no dia 12 de junho de 1929 em Frankfort, na Alemanha. Seus pais, Otto Frank e Edith Holländer, alemães de origem judia, possuíam também uma outra filha mais velha, chamada Margot. Até o ano de 1933, a família Frank vive em Frankfort, onde o pai, Otto, era diretor de um banco. Porém, como consequência da crise econômica e do crescente antissemitismo, eles decidem se mudar para Amsterdã, nos Países Baixos. Hitler acabara de chegar ao poder, glorificando a raça ariana. Ele instaura um regime de terror, banindo os judeus da sociedade.
Ao chegar aos países baixos, Otto cria sua própria empresa, enquanto suas filhas aprendem holandês, língua na qual Anne viria a escrever seu diário. No entanto, em 1940, os Países Baixos são invadidos pela Alemanha e severas medidas contra os judeus são impostas, proibindo Otto de exercer seu trabalho. Ele, então, pede a seus associados, Kleiman e Kugler, que emprestem seus nomes à empresa para que ele não fique registrado como proprietário. Assim que Margot recebe uma convocação da SS (Schutzstaffel, uma organização paramilitar ligada ao partido nazista), a família decide se refugiar no "anexo", que é o antigo posto de trabalho da usina de Otto, escondido por uma porta giratória em formato de biblioteca. Anne tem 13 anos quando começa a viver em esconderijo e é a partir de então que ela escreve a maior parte de seu diário. Com ela, vivem mais sete pessoas durante dois anos, supridas em alimentos, vestimentas e livros pela secretária e amiga de Otto, Miep Gies, seu marido Jan, outra secretária, Bep Voskuyl e os associados de Otto. Os habitantes do anexo são Otto, Edith, Anne e Margot Frank; Augusta, Hermann e Peter Van Pels (de codinome Van Daan no diário) e o dentista Fritz Pfeffer (de codinome Albert Dussel). Finalmente, em 1944, os habitantes do anexo são descobertos pelo serviço de espionagem da SS, bem como Kleiman e Kugler. Não nos é dito quem os havia denunciado. Não há suspeitas sob Bep e Miep, que consegue guardar o diário de Anne. Ela tenta, em vão, evitar a deportação da menina. Segundo dados recolhidos pela cruz vermelha holandesa, Anne foi deportada para o campo de Westerbork, perto da fronteira alemã, e, em seguida, foi transferida, junto a sua família, em direção à Auschwitz. Finalmente, é deslocada, com sua irmã, à Bergen-Belsen, onde provavelmente morreu de tifo em março de 1945.
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No diário, Anne encontra um amigo e confidente, que ela instintivamente personifica para diminuir a solidão do abrigo. Dessa forma, seus escritos tomam o formato de carta e não são simplesmente monólogos, uma vez que ela dá também a palavra à Kitty, nome pelo qual ela apelidou o diário. Diversas vezes, ela refere-se a si mesma na terceira pessoa, como se quisesse analisar as situações de fora, diferenciando as duas "Annes" que ela diz representar: em sociedade, uma Anne insolente e impulsiva, que, indiferente, dá de ombros quando o assunto não lhe agrada, mas, em seu interior, uma menina doce, sonhadora, inteligente e preocupada. Nosso primeiro impulso, ao vê-la apresentando-se assim, é, talvez, o de desqualificar esse aparente autoconhecimento como a ingenuidade de uma adolescente que, mesmo revoltada e impaciente com o mundo à sua volta, se conhece sempre superior ao que os outros imaginam. No entanto, os mais sensatos e eloquentes adultos se vêem tantas vezes incompreendidos e mal interpretados, pois, ao passo que somos falhos ao colocar em palavras nossos verdadeiros pensamentos e sentimentos, são também os outros falhos em os decifrar, seja por ignorância ou dissimulação. Além disso, a vivência faz com que, voluntária ou involuntariamente, resguardemos nossos sentimentos por segurança, na tentativa de mascararmos nossas fraquezas e evitarmos o julgamento alheio. Esse comportamento pode ser equivocado, pois, para os que, como Rousseau, acreditam que o homem é genuinamente bom e é a sociedade o transforma, há muita bondade a ser encontrada no íntimo de cada pessoa. Sem mais divagações, assim também, acredito que Anne era, de fato, emocionalmente superior àqueles à sua volta, ainda que com sua falta de moderação.

Nos escritos, encontramos uma menina em plena descoberta da vida: seus amigos, sua escola, seus primeiros amores. Sua alegria de viver é genuína e, apesar das drásticas mudanças que ela vivencia, dificilmente demonstra ódio ou tristeza. Ela não tece muitos comentários sobre o momento político e econômico - também não poderia se esperar isso de uma pré-adolescente -, mas somente explica um pouco sobre as novas leis e restrições aos judeus e como isso afetaria a vida de sua família. Durante muito tempo, as novas limitações não parecem lhe incomodar, mas, somente quando sua irmã é convocada pela SS e ela compreende a necessidade de entrar na clandestinidade, ela toma consciência da gravidade da situação. Assim, lhe é requerido um amadurecimento mais rápido que o previsto, ao que ela corresponde revelando seu espírito forte e sólido. Ela evita se lamentar, apesar da angústia trazida pela clandestinidade e busca sempre um olhar positivo, algo possível talvez pelo fato de ela não se interessar tanto pela guerra e mesmo pelo destino dos judeus. Por mais cruel que essa suposição possa parecer com a própria Anne – a de um desinteresse pelo próprio fado - há de se considerar primeiro a pouca idade de nossa escritora e, depois, o fato de que muitas vezes a ignorância, e não o conhecimento, leva à felicidade, ainda que esta não seja autêntica. Anne tem muitas resoluções e discernimentos de um adulto e, por isso, considera Peter, apenas um pouco mais velho que ela, um fraco por suas dúvidas e carências. A realidade é dura para uma adolescente que tem que conviver com a perseguição, mas Anne encontra meios de sobreviver a isso, seja fantasiando ou escrevendo. A segurança emocional da menina fica ainda mais evidente quando comparada às reações dos outros, como, por exemplo, o fato da sra. Van Daan, em desespero, falar em bala na cabeça, prisão, enforcamento e suicídio. Além disso, tanto Margot quanto Peter dizem constantemente à Anne: "Ah se eu tivesse sua força e coragem, se eu perseguisse meus objetivos com tanta vontade quanto você, se eu tivesse tanta energia e perseverança...". A história de Anne é, portanto, também uma história de esperança e felicidade, pois, apesar de tantos fatores externos, políticos e sociais, se contraporem à alegria e paz da menina, ela não se deixa atingir e permanece firme em seus ideais, sem sinais de depressão e desistência. Talvez, inclusive, gere mais comoção e reflexão nas pessoas que diversos livros de auto-ajuda por seu caráter verossímil e exemplificativo.
Apesar de todos os esforços para sempre ver as coisas pelo lado bom, ela nos relata alguns fatos inquietantes sobre essa vida em clandestinidade. Por exemplo, sempre que um apito estridente é ouvido, todos ficam apavorados. Há ainda toda uma organização a ser levada em conta e uma grande engenhosidade da família Frank e seus protetores ao inventar histórias para evitar que os alemães os procurem. Para que tudo corra bem no anexo, é necessário seguir um rigoroso regulamento que inclui silêncio e discrição. Os habitantes no anexo também não podem sair, o que acaba levando a uma grande dificuldade de convivência. Anne tem vários problemas de relacionamento, principalmente com a mãe, mas também com diversos outros moradores. A única pessoa que ela realmente ela ama e admira é seu pai. Assim, contrariando a hipótese mais direta de que o fato de estar escondida, vivendo em uma guerra e procurada pelos alemães fortaleceria os laços familiares de Anne, a convivência diária e exaustiva, sem a liberdade de ir e vir, faz com que as angústias se amontoem, aumentando as tensões. É quando ela acha em Peter uma distração através do romance, mais uma ferramenta que a cabeça dela usa, inconscientemente, para não adoecer ou esmorecer. Mas isso é uma percepção que apenas o leitor, vendo tudo de fora, pode ter. Para Anne esse amor é bem real. E, nesse ponto, o livro tangencia, por vezes, um romance pré-adolescente, ate mesmo no sentido do amor fantasioso, ou seja, imaginar no amado um ser encantador e, geralmente, bem superior ao que ele de fato é. A isso se deve também a decepção de Anne ao perceber as fraquezas de caráter de Peter.
Com a guerra e, principalmente, com suas leituras no anexo, Anne levanta diversos questionamentos sobre a vida e as pessoas. "Você saberia me dizer por que as pessoas escondem, com tanto cuidado, suas personalidades?", "por que confiam tão pouco uns nos outros". Sua evolução intelectual é perceptível até pela própria Anne. "Estou muito contente de ter aprofundado meus conhecimentos na espécie humana". De fato, ela sente que amadureceu. Essa maturidade a leva a constantes alterações de humor e de opinião, chegando a parecer contraditória. Por exemplo, após duras críticas à sua irmã Margot, um belo dia ela muda completamente sua visão, apontando Margot como "tão gentil, muito mudada, tornando-se uma verdadeira amiga". E, no entanto, não temos como saber se quem mudou foi Margot ou os olhos de Anne. O ser humano que não é capaz de ceder e mudar de visão, é incapaz de evoluir.
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A última carta de Anne, que finaliza o diário, se termina com seu desejo de que a família conseguisse enxergar o lado dela que, aparentemente, não é notado. Anne é uma jovem adolescente em busca de autoconhecimento que não compreende por que a guerra existe e por que as pessoas se machucam com tanta frequência, tanto em termos bélicos, quanto em termos pessoais. Tudo o que ela gostaria era de aproveitar a natureza, conquistar seus sonhos e mostrar o papel da mulher moderna - sendo assim diferente da sua mãe.
O sonho de Anne é ser jornalista e, no futuro, uma célebre escrivã. Ela tinha a pretensão de publicar um livro ao final da guerra, baseando-se no diário. Mas, apesar de sua triste história, não realizou Anne seus maiores desejos? Afinal, "O diário de Anne Frank" é um dos mais famosos e divulgados relatos verídicos sobre a segunda guerra mundial em formato de livro autobiográfico.

O anexo da casa onde Anne Frank ficou escondida com sua família, em Amsterdã, na Holanda, pode ser visitado até os dias de hoje. Tive a oportunidade de conhecê-la em maio de 2018*.
Para mais informações sobre a história de Anne, clique aqui.

Videocuriosidades:

Em 1959, após grande repercussão da versão em inglês, uma adaptação cinematográfica do filme foi dirigida por George Stevens. O filme ganhou três Oscars em 1960.
Desde então, diversas outras adaptações de diversas nacionalidades, inclusive televisivas, foram criadas, incluindo a francesa de 1999, dirigida por Julian Wolff, um documentário americano de 1995, dirigido por Jon Blair ("Anne Frank Remembered") e, mais recentemente, um filme alemão, lançado em janeiro de 2016, dirigido por Hans Steinbichler.


*Post atualizado.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

"Persuasão", Jane Austen

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Último romance escrito por Jane Austen, "Persuasion" (em português, "Persuasão") foi finalizado em 1816 e publicado postmortem, em 1818. Posterior à "Emma", a obra tem um toque de sobriedade não encontrado em seus precessores, se contrapondo à vivacidade de "Pride and Prejudice" e a indulgência satírica de "Northanger Abbey". Enquanto títulos como "Sense and sensibility" indicam um conflito de valores discordantes, "Persuasion" é exclusivo em sua temática e, ainda assim, amplamente ambíguo. As obras citadas, associadas a "Mansfield Park", completam o conjunto de romances longos publicados pela autora, e, portanto, com esta resenha, o blog finalmente possui uma análise para cada uma das obras mais relevantes de Austen.
Anne Elliot, a segunda filha do barão Walter Elliot, é uma mulher de 28 anos tranquila e solitária. Ela carrega consigo uma seriedade melancólica. Seu único arrependimento na vida é de não haver se casado com Frederic Wentworth oito anos antes, quando ele havia proposto. Seu pai era contra a união e sua grande amiga, a sra. Russel, lhe havia persuadido de que esta era uma união desfavorável, pois Frederic não tinha relações sociais ou poder financeiro, mas apenas o futuro incerto de um oficial da Marinha em início de carreira. Após todos esses anos, no entanto, Frederic retorna rico e com o título de capitão, após adquirir grande prestígio por seu sucesso nas guerras napoleônicas. Ele guarda ainda uma grande amargura por Anne e, diante de uma mulher que foi tão facilmente manipulada, está convicto de que a ela falta caráter e firmeza de espírito. Muitas são suas pretendentes, incluindo as outras irmãs de Anne, a qual ele parece ignorar. Pelo menos, a princípio.
"Persuasion" é intrigantemente moderna na forma como nos apresenta a vida íntima de Anne. Nenhuma outra personagem parece familiarizada com seus sentimentos. Somente o leitor conhece suas verdadeiras emoções. Tímida e reservada, a modéstia de Anne chega a ser dolorosa. Ela toca piano muito bem, mas sente que, ao fazê-lo, está "satisfazendo somente a si mesma". Essa introversão da protagonista afeta a textura do romance, que, mais que qualquer outro de Austen, exige uma atenção especial aos detalhes. Da mesma forma que Anne está sempre atenta às mais leves nuances na fala de cada interlocutor, também o leitor precisa estar. Por exemplo, ao longo da obra, as palavras "persuadir", "persuasão" e "persuadível" aparecem por volta de 30 vezes, enfatizando a importância das escolhas pessoais e levantando um questionamento sobre qual é o melhor valor: a conviccção ou a flexibilidade. Afinal, se por um lado a flexibilidade é tantas vezes indispensável para promover a compreensão, incitar o diálogo e alimentar a empatia, por outro, a convicção nos ajuda a lidar com nossas próprias escolhas. Somente quando acreditamos nos caminhos que definimos para nós mesmos, conseguimos seguir sem remorso e arrependimento. A convicção nos dá clareza, ainda que tudo dê errado, por nos oferecer a certeza de trilharmos nossa própria estrada e sermos donos de nossa história. Mas, ao passo que a flexibilidade exacerbada pode nos tornar facilmente sugestionáveis, há uma linha muito tênue entre uma forte convicção e a arrogância. Determinação beira à teimosia e verdades absolutas constantemente nos conduzem a situações lamentáveis.

Ver imagem originalAo mesmo tempo, o livro apresenta interesse em problemas de maior âmbito social, como a mudança dos papéis do homem e da mulher na sociedade, refletida na alteração das expectativas, valores e conduta de cada um. Há uma contraposição direta entre dois grupos da sociedade na obra: os nobres de berço, representados por Sir Walter e os que, por mérito, conquistaram riqueza e patentes, onde se encontram Fréderic e seu irmão, o almirante Croft.
Logo no início, encontramos o Sr. Walter Elliot lendo seu livro preferido - um livro sobre aristocracia - cuja parte que mais lhe agrada é a que se trata dele mesmo. Seu notável narcisismo é o principal e único ponto que constitui seu caráter. Ele acredita que a aparência física é a melhor medida de valor de uma pessoa e esse seu superficial orgulho próprio é apoiado e compartilhado por outras personagens. Ele chega, em um momento, a afirmar que o sucesso naval nada mais é que uma forma de alavancar pessoas de berço inferior à uma distinção indevida. Por isso, quando descobre que o almirante Croft será seu inquilino, fica satisfeito não pelos méritos navais deste último, mas por achá-lo muito apresentável em termos de beleza, tão grande é sua futilidade.

No entanto, assim que o almirante chega à casa, logo se livra dos imensos espelhos do quarto do Sr. Walter, já que não não compartilha de seu pomposo egocentrismo. Além disso, é notável a diferença de relacionamento que o sr. Walter tem com sua mulher, quando comparado a de outros personagens. Ambos participam ativamente das atividades do outro: tanto a Sra. Croft conhece amplamente o ofício de seu marido, quanto o sr. Croft colabora bastante com as atividades domésticas. Eles também se dividem na hora de dirigir. Ou seja, levando em conta essas e outras características, pode-se afirmar que esse é o ideal de Austen de um casal moderno. A representação que Austen faz da Marinha carrega a ideia de uma sociedade aberta e meritocrática, na qual a autora acredita. Sua admiração por esta instituição pode ser também associada ao fato de dois de seus irmãos terem servido na guerras francesas, sendo que um deles tornou-se também almirante.

Ver imagem originalOutro ponto de contraste que podemos notar entre esses personagens é sua atitude com relação aos sentimentos. Enquanto o Sr. Walter é emocionalmente incapacitado, os Croft parecem possuir um autoconhecimento completo. Assim, "Persuasion" é também um romance sobre aprender a sentir. Apesar de iniciar-se no verão, a maior parte da história se passa no outono e no inverno e, assim, a atmosfera do livro é maculada pelo declínio. Nos é dito que Anne "foi uma bela menina, mas logo seu brilho devanesceu". Agora, aos 27 anos, ela está "velha demais" para ser ainda solteira.
A história do crescimento de Anne é também a história do desencadeamento de suas emoções. Logo no início, ela não é ninguém para o Sr. Walter e Elizabeth: sua palavra não tem peso, seu conforto sempre dá lugar ao dos outros. Ela chega a afirmar que "um forte senso de dever não é algo ruim para uma mulher" e, no entanto, seus sentimentos com relação a essa obrigação para com os outros precisam constantemente ser suplementados pela crença que ela possui em si mesma. Na verdade, ainda muito jovem, nossa protagonista havia sido forçada à prudência e somente aprendeu sobre romance quando já estava mais velha, uma sequela natural de sua infância incomum. Assim, com o passar do livro, suas emoções naturais vão sendo revitalizadas.
Ver imagem originalAo mesmo tempo, essas reais emoções precisam ser divulgadas discretamente. Por isso, o capitão Wentworth revela seus sentimentos por Anne numa carta. Este é um padrão no trabalho de Austen: as cartas permitem às personagens articular seus sentimentos de uma forma que, em público, seria inapropriada. No final, Frederic e Anne se reencontram no amor, agora de uma forma mais madura, consciente e, portanto, mais sólida. Mas, ainda assim, as incertezas sobre o futuro de Wentworth na Marinha, como a possibilidade de futuras guerras, ameaçam a felicidade de Anne. Nossa personagem parece, portanto, sempre fadada à melancolia.


Videocuriosidades:

Em sua maioria, as adaptações cinematográficas mais conhecidas - e nem tão conhecidas assim - de Persuasion estrearam na TV.
A rede BBC fez duas minisséries, uma em 1960 - com Daphne Slater e Paul Daneman - e outra em 1971 - com Anne Firbank e Bryan Marshall.
Em 1995, uma adaptação com Amanda Root e Cláran Hinds estrou na televisão.
Finalmente, outro filme televisivo estrou em 2007 com Sally Hawkins e Rupert Penry-Jones. Este último, que eu assisti, não é dos melhores e fica longe de adaptações como as de Emma  e Pride and Prejudice, mas se mantem fiel ao livro, nos ajudando a captar sua atmosfera melancólica e, talvez, por isso mesmo, não seja um filme tão atraente.