Páginas

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

"Esaú e Jacó", Machado de Assis

Como penúltimo livro de um dos maiores escritores da literatura brasileira - Machado de Assis - "Esaú e Jacó", lançado em 1904 é constituído de um estilo maduro e analítico e busca documentar o período em que se passa a história relatada.
Na "Advertência" colocada no início do livro, obtemos a informação de que este teria sido encontrado em meio aos sete manuscritos que o Conselheiro Aires (um dos personagens) havia deixado antes de seu falecimento. Os seis primeiros manuscritos constituíam o "Memorial de Aires", último romance de Machado de Assis; e o sétimo era "Esaú e Jacó".
O título do livro remete à história bíblica dos gêmeos que viviam em conflito. A mãe destes, Rebeca, privilegia o filho Jacó, causando assim a rixa entre os dois. Os protagonistas do nosso livro, no entanto, não possuem um motivo claro para suas divergências. Daí a expressão latina "ab ovo", ou seja, desde o ovo. Seus conflitos partem do ventre de sua mãe.

"E Javé lhe disse: 'Em seu ventre há duas nações, dois povos se separam em suas entranhas. Um povo vencerá o outro, e o mais velho servirá ao mais novo.' "
Gênesis 25:23

A obra se inicia com a visita de Natividade e Perpétua à cabocla do Castelo, uma adivinha, cuja consulta estava fora dos preceitos morais e éticos da alta sociedade em que viviam as duas damas. À parte isto, a curiosidade da mãe e da tia dos recém-nascidos sobre o futuro destes as encaminha para a cabocla. A premonição adquirida é a de que, a despeito do vasto conflito que havia de perdurar, desde o ventre, durante toda a vida dos gêmeos, eles seriam grandes. Natividade, apesar de preocupada com a rixa pouco compreensível, sai da casa da cabocla satisfeita com o resultado da "adivinhação".
O nome dos gêmeos, Paulo e Pedro, é dado pela tia dos meninos, Perpétua. Como algo do destino, a senhora escolhera o nome de dois apóstolos que pregavam de maneira oposta e tinham idéias divergentes.
Aos poucos, os meninos crescem e a profecia, no que diz respeito aos conflitos, vai se realizando. Pedro torna-se médico, Paulo, advogado. Bastante politizados, e em meio a um momento importante da política nacional, os gêmeos se filiam a partidos opostos.
Durante o regime imperial, Pedro defende o império, enquanto que Paulo, insatisfeito, luta pela república. No meio do livro, ocorre a quebra do regime e a proclamação da República, muito bem notificada por Machado, que nos traz os anseios e opiniões da sociedade da época com relação ao que ocorria.

"- É! verdade, conselheiro, vi descer as tropas pela Rua do Ouvidor, ouvi as aclamações à república. As lojas estão fechadas, os bancos também, e o pior é se não abrem mais, se vamos cair na desordem pública- é uma calamidade.
Aires quis aquietar-lhe o coração. Nada se mudaria; o regíme, sim, era possível, mas também se muda de roupa sem trocar de pele. Comércio é preciso. Os bancos são indispensáveis. No sábado, ou quando muito na segunda-feira, tudo voltaria ao que era na véspera, menos a constituição."

Com o início da república, Pedro, aos poucos, aconstuma-se ao novo regime e se filia ao partido de conservação da república. Paulo, sempre indignado em busca de melhoras, filia-se ao partido que busca mudanças no regime. Eles se fazem, então, deputados de partidos opostos.
Em meio e essa euforia política, temos o outro lado da história: Flora. A moça é a típica heroína do romantismo, dentro de um livro analítico e realista, como se estivesse fora de seu lugar. Flora é a paixão de ambos os gêmeos e é também por ambos apaixonada. Paulo e Pedro não chegam a entrar em conflito direto por causa da menina, pois resolvem que quem deve escolher entre eles dois é ela. No entanto, Flora não se decide.
Outro personagem bastante marcante no livro é o Conselheiro Aires. Ele é também uma das faces do nosso narrador, tornando-se um mistério ou enigma no livro. Um personagem centrado, a quem todos os outros pedem conselhos antes de tomar decisões, ou seja, o homem fazia jus ao seu título de conselheiro. Dessa maneira, ele acompanha o sofrimento de Flora sem saber qual dos gêmeos escolher; de Natividade, buscando sempre uma maneira de fazer a paz entre os filhos; e dos próprios meninos, que ele tem como filhos seus.
Por incrível que possa parecer, dentro de um livro tão politizado, o fim da bela moça Flora, após sofrer de angústia, paixão e indecisão, é a morte do ultra-romantismo. Com o falecimento da moça, Paulo e Pedro se propõe uma primeira trégua, em nome da amada. A segunda trégua ocorre quando chega o momento da mãe dos gêmeos partir. O último pedido de Natividade é que os rapazes selem a paz e assim eles o fazem durante um ano. Após isso, a promessa parece cair no esquecimento e a rixa se torna ainda maior para o espante de todos, menos do conselheiro Aires, que tem a seguinte conversa com um deputado, seu amigo:


"— O senhor que se dá com eles diga-me o que é que os fez mudar, concluiu o amigo.

— Mudar? Não mudaram nada; são os mesmos.
— Os mesmos?
— Sim, são os mesmos.
— Não é possível.
Tinham acabado o almoço. O deputado subiu ao quarto para se compor de todo. Aires foi
esperá-lo à porta da rua. Quando o deputado desceu, vinha com um achado nos olhos.
— Ora, espere, não será... Quem sabe se não será a herança da mãe que os mudou? Pode
ter sido a herança, questões de inventário...
Aires sabia que não era a herança, mas não quis repetir que eles eram os mesmos, desde o
útero. Preferiu aceitar a hipótese, para evitar debate, e saiu apalpando a botoeira, onde
viçava a mesma flor eterna."
O livro é interessante não apenas no sentido de analisar a falta de fraternidade entre dois irmãos. É possível perceber, que, a despeito das faces idênticas, as personalidades dos rapazes eram completamente divergentes, o que não é incomum entre irmãos gêmeos. No entanto, deve-se frisar a importância histórica do livro, que relata não apenas os fatos durante a proclamação da república, mas como isso repercurtiu na população. Como toda obra machadiana, "Esaú e Jacó" é um clássico da literatura brasileira e deve ser lido não apenas para um maior conhecimento das várias faces da nossa língua, mas pela inteligência da escrita e capacidade de entreter e impressionar o leitor.