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segunda-feira, 14 de março de 2011

"A moreninha", Joaquim Manuel de Macedo

Em 1844, surge a primeira obra brasileira de gênero romântico. Caracterizada como romance urbano, "A moreninha" não somente inicia o ciclo do romantismo no Brasil, como também a trajetória de Joaquim Manuel de Macêdo como romancista, visto que é seu primeiro livro.
No século XIX, o público consumidor de romances era a burguesia. Dessa maneira, uma série de ingredientes específicos foi utilizado pelo autor para fixar a atenção de seus leitores.
O livro se passa em uma sociedade burguesa, onde grande parte dos personagens masculinos é estudante de medicina e dos femininos é culto e tem a visão voltada para o casamento. De modo geral, a comicidade, o namoro difícil, a dúvida entre o dever e o desejo, a revelação surpreendente de uma identidade, as brincadeiras de estudantes e uma linguagem mais inclinada para o tom coloquial compõem a essência da obra, que visa o entretenimento, sem tornar-se vulgar.
O livro inicia-se com a ida de Fabrício, Augusto e Leopoldo à casa da avó de Filipe, a convite deste. A casa fica na ilha de Paqueta e todas as primas de Filipe, inclusive sua irmã Carolina, estão lá. Os amigos chegam para ficar durante o fim de semana. 
Uma importante característica na personalidade de Augusto é a volubilidade de seus sentimentos. Como ele mesmo afirma, é capaz de amar três moças ou mais em uma mesma noite.
Inicia-se entre os jovens uma espécie de "jogo da sedução" à moda do período, ou seja, de uma maneira bem contida. A única jovem que não está interessada em romance é a travessa Carolina. Com suas travessuras, peripércias e manias de pregar peças nos outros, a menina de quatorze anos faz Augusto julgá-la inoportuna e feia. No entanto, no decorrer do fim de semana, entre as conversas travadas pelas pessoas da casa, o rapaz começa a perceber a sagacidade e ironia que possui a menina. Começa a considerá-la esperta, inteligente e cada vez menos feia. Os sentimentos de Augusto por Carolina são cíclicos, como podemos perceber na seguinte passagem:

"— E o que pensas da irmã de Filipe?
— A melhor resposta que te posso dar, é... não sei... porque, ao meio-dia, a julgava travessa, importuna e feia, mas era-me completamente indiferente.
— À uma hora?...
— Eu a supus estouvada e desagradável.
— Às duas horas?...
— Má, e desejava vê-la longe de mim.
— Durante o jantar?...
— Fui achando-lhe algum espírito e acusei-me por havê-la julgado feia.
— E agora?
— Parece que me sinto inclinado a declará-la engraçada e bonitinha.
— E daqui a pouco? Eu direi."

Os rapazes e moças da casa constituem uma juventude que não se permite crer no amor. As moças, temem ser enganadas pelas falsas promessas dos rapazes e, por isso, enganam a estes, que para defender-se da mentira das moças, as enchem de falsas promessas. São poucos os verdadeiros apaixonados. Em um trecho do livro, há uma divagação sobre a diferença das moças do campo e da cidade, que expressa a volubilidade não apenas das mulheres urbanas da época, mas também da juventude atual. 


"Estudemos as duas vidas. A moça da corte escreve e vive comovida sempre por sensações novas e brilhantes por objetos que se multiplicam e se renovam a todo momento, por prazeres e distrações que se precipitam; ainda contra a vontade, tudo a obriga a ser volúvel: se chega à janela um instante só, que variedade de sensações! Seus olhos têm de saltar da carruagem para o cavaleiro, da senhora que passa para o menino que brinca, do séqüito do casamento para o acompanhamento de enterro! Sua alma tem que sentir ao mesmo tempo o grito de dor e a risada de prazer, os lamentos, os brados de alegria e o ruído do povo; depois, tem o baile com sua atmosfera de lisonjas e mentiras, onde ela se acostuma a fingir o que não sente, a ouvir frases de amor a todas as horas, a mudar de galanteador em cada contradança; depois, tem o teatro, onde cem ócuLos fitos em seu rosto parecem estar dizendo — és bela! — E assim enchendo-a de orgulho e muitas vezes de vaidade; finalmente, ela se faz por força e por costume tão inconstante como a sociedade em que vive, tão mudável como a moda dos vestidos. Quereis agora ver o que se passa com uma moça da roça?...Ali está ela na solidão de seus campos, talvez menos alegre, porém, certamente, mais livre; sua alma é todos os dias tocada dos mesmos objetos: ao romper d’alva, é sempre e só a aurora que bruxoleia no horizonte; durante o dia, são sempre os mesmos prados, os mesmos bosques e árvores; de tarde, sempre o mesmo gado que se vem recolhendo ao curral; à noite, sempre a mesma lua que prateia seus raios à Lisa superfície do lago! Assim, ela se acostuma a ver e amar um único objeto; seu espírito, quando concebe uma idéia, não a deixa mais, abraça-a, anima-a, vive eterno com ela; sua alma quando chega a amar, é para nunca mais esquecer, é para viver e morrer por aquele que ama. Isto é sim, Augusto; considera que é lá em nossos campos que mais brilham esses sentimentos, que são a mesma vida e que não podem acabar senão com ela!..."
O jovem Augusto, considerado o mais volúvel de todos, possui, porém, um motivo para não ceder seu coração a ninguém. Aos treze anos, ele havia conhecido na praia uma linda menina que não possuía nem oito ainda, e que era risonha, travessa e esperta. Eles brincaram durante toda uma tarde e se identificaram bastante. Ajudaram, juntos, um velho morimbundo, que, em um delírio febril, os disse que eles deveriam se casar ao crescer. Para fortalecer essa promessa, o senhor os fez trocar objetos. A menina ficou com o camafeu que Augusto possuía e este guardou o broche de esmeralda que estava no vestido da menina. Desta menina, que ele chamava de "minha mulher", ele não conhecia o nome. No entanto, em seu coração, lhe era fiel e somente a ela.
Retornando ao nosso foco principal. Carolina começa a sentir-se tocada por Augusto. No entanto, o fim de semana acaba e eles poderão não mais se ver. Augusto, porém, compromete-se de ir à casa de D. Ana, a avó de Filipe, aos domingos. E, de domingo a domingo, vai-se formando um amor extremamente forte e apaixonado. Augusto decide esquecer "sua mulher" para dar todo seu coração a Carolina. Mas a esperta menina, que já havia descoberto o passado de Augusto, nos traz, a nós leitores e a Augusto, uma descoberta surpreendente: a menina que havia ficado com o camafeu de Augusto era ela. Assim, sem trair nenhum de seus sentimentos, Augusto pode amar Carolina e casar-se com ela.
Carolina é o símbolo de mulher romântica. Porém, divergindo do estereótipo criado pelos europeus, nossa moreninha é uma mulher romântica à moda brasileira. Assim, o namoro de Augusto com ela constitui a "aprendizagem de desaprender". Com efeito, o jovem se despirá dos preconceitos para dar vazão aos sentimentos verdadeiros.
Segundo Álvaro Cardoso Gomes, professor associado de Literatura portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP: "A diminuição do interesse por este tipo de romance deve-se a preconceitos, que vitimaram a maioria das obras consideradas clássicas. Para o homem do século XX, às vezes, incomodam a afetação da linguagem um pouco derramada, as longas disgressões, os usos e costumes que não são mais os seus. Porém, se o leitor se livrar desses preconceitos e embarcar na história, certamente se deliciará com A moreninha, que tem todos os ingredientes para agradar. Macedo, como escritor competente que era, tinha o dom de saber amar o leitor desde a primeira linha. Era do tipo de romancista que não se preocupava em passar mensagens complexas sobre a vida e que procurava aguçar a curiosidade do leitor com pequenos enigmas de fácil solução."
E após este feliz comentário, o qual eu não poderia fazer com melhores palavras, mas que, certamente, merece ser postado, retiro-me na esperança de tê-los feito curiosos por experimentar mais uma clássica novidade.


Video-curiosidades:

Em 1915, dirigido por Antonio Leal, o primeiro filme sem som e em preto e branco baseado na obra, "A moreninha".
Em 1965, a primeira telenovela baseada no livro, com Marília Pêra como Carolina.
Em 1970, mais uma adaptação do livro nos cinemas, com a nossa moreninha representada por ninguém menos que Sônia Braga.
Finalmente, em 1975, uma regravação em cores da telenovela de 1965 com Nívea Maria como a moreninha.