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domingo, 4 de março de 2012

"Peter Pan", J. M. Barrie

O livro que trago para a pauta deste mês não é medíocre e tampouco novidade: é a história imortal, escrita por J. W. Barrie em 1911, de Peter Pan, o menino que não queria crescer. Peter Pan surgiu pela primeira vez no livro "The Little Bird" (O passarinho), mas suas histórias sobre este garoto cheio de mistérios foram aprimoradas para divertir os filhos do casal de amigos de Barrie, Arthur Davies e Sylvia, que faleceram, deixando o nosso autor como tutor de seus filhos. Antes de se tornar livro, "Peter Pan" foi executado como peça no Natal de 1904. Devido ao grande sucesso, tornou-se um evento anual e natalino produzido durante 60 anos.
A partir do momento em que Peter Pan e sua irritante amiga fada Tinker Bell (ou, aqui para nós, Sininho) entram voando pela janela do quarto das crianças, a história lança um feitiço mágico na vida das crianças e também nas nossas.
Os três filhos de Mr. e Mrs. Darling, John, Michael e Wendy, vivem uma vida comum, de crianças comuns, com brincadeiras e hábitos comuns. A única coisa um pouco esquisita, mas que a família Darling não parece notar, é o fato de que a babá dos meninos é um cachorro chamado Nana. Mas pelo que eu vi, posso garantir que ela é muito mais inteligente que tantas outras babás que vemos por aí. É divertido entrar na cabeça de Nana e entendê-la como um ser pensante, inteligente e preocupado com o bem estar das crianças. Imaginá-la fazendo essas coisas tão naturais para babás, como trocar as fraudas e colocar todos para dormir, parece irônico para um adulto, mas talvez para uma criança cheia de imaginação seja simplesmente normal.
Ainda que um livro escrito para um público específico, o autor consegue expor, sem adentrar nas profundezas do ridículo caráter humano, como deixamos de viver nossas vidas, preocupados com o que os outros estão pensando. Na verdade, Mr. Darling não tinha capital para bancar uma babá, mas, como todos em sua rua possuíam uma e olhavam feio a cada vez que ele passava, porque seus filhos não tinham babá, ele arranjou Nana, adaptando-se assim à vida dos outros moradores.
É nesse ambiente que nosso Peter adentra, mudando todas as regras do jogo. As crianças são levadas à Terra do Nunca (sim, aquela mesma para a qual você e eu sempre sonhamos ser levados), onde eles conhecem os garotos perdidos, assistem às brincadeiras das sereias na Lagoa Azul e encontram o Capitão Gancho e seu bando perverso de piratas. Aqui nos deparamos com as aventuras e intrigas com que todas as crianças sonham nos mais diversos níveis: lutas, beleza, lugares e seres misteriosos, romance, a luta contra o bem e o mal e o aconchego do lar.
Todos os acontecimentos passam pelo nosso coração e não somos somente expectadores. Com a iminente possibilidade de morte de Sininho, por mais azucrinante que ela possa ser, nos vemos, sem querer, dizendo em alta voz: "Eu acredito em fadas", porque, mesmo que adultos não tenham o poder de salvar esses pequenos seres mágicos e apaixonantes, é a criança dentro de nós que grita para ter a liberdade e o direito de acreditar. Talvez seja isso, mais do que tudo, que Peter nos quer ensinar, que mesmo que cresçamos e tenhamos que fazer aquelas coisas chatas que os adultos fazem, como colocar o chapéu, pegar a maleta  e ir para o trabalho, não podemos nos deixar transformar por esse mundo infame e corrupto que é o mundo dos adultos, e sim nunca permitir que morra a criança que há dentro de nós, esse serzinho "alegre, inocente e sem coração" que nos permite ver a beleza nos dias mais comuns.
Enquanto as crianças estão à distância, também algo muda na casa dos Darling. Para Mr. Darling, por exemplo, as aparências agora perdem o valor. O tesouro mais precioso que aqueles pais e aquela babá possuíam desapareceu na imensidão do céu. Os meninos, enquanto isso, seres sem coração, como todas as crianças (e, por favor, não tomem isso errado, porque, se bem analisarmos, Barrie até estar um pouco certo quando as caracteriza assim. Ou será que você quer me dizer que se, quando criança, você tivesse a oportunidade de fugir com Pan para a Terra do Nunca, você não o faria?), quase se esquecem de seus pais. Menos Wendy que, um pouco mais madura, consegue convencer os irmãos e os outros meninos perdidos a retornar para seu lar. Assim é feito. Peter, no entanto, não aceita a proposta e volta para sua Terra do Nunca sozinho, com a promessa somente de que Wendy iria visitá-lo a cada ano para fazer a faxina de primavera. No entanto, a Terra do Nunca parece ter o poder de fazer-nos perder a noção do tempo ou mesmo esquecer de algumas coisas e Peter, como é normal dele mesmo, acaba esquecendo de ir buscar Wendy em algumas primaveras. Assim, o tempo passa e, quando finalmente Peter vem visitá-la,  Sininho já morreu há tanto tempo que foi completamente esquecida pelo garoto, Nana e Mr. e Mrs. Darling já morreram e foram também esquecidos (o que eu acho um pouco de crueldade do autor, mas não sem sentido) pela família e Wendy está adulta, casada e com uma filha, a qual vai fazer a faxina com Peter, coisa que vai, a partir de então, ser passada de geração a geração. É assim que o livro leva as crianças o ciclo da vida: o nascimento e morte são apresentados de maneira banal, comum. O autor, talvez, busca, desta forma, ajudar as crianças órfãs (como aquelas das quais ele era tutor) a superar a perda dos pais.
A obra envolve um mistério em torno das mães, esses seres mágicos e maravilhosos, que apesar de possuir características de deuses altruístas e lindos, só são assim vistos por aqueles que tiveram a oportunidade de ter uma por perto. Para Peter, mães são criaturas cruéis que abandonam seus filhos e sequer lembram-se deles. Os outros meninos perdidos seguem o mesmo pensamento até que Peter traz a eles Wendy, que torna-se uma mãezinha para eles. Wendy os ensina que mães são seres bons e, no final, todos querem ter uma mãe, até Pan. Nosso herói, porém, não dá o braço a torcer e prefere permanecer como sua imagem maléfica das mães, mais por medo que por teimosia, acredito eu. Talvez ele ache que ter uma mãe e perdê-la é melhor que nunca ter tido nenhuma (coisa com a qual não concordo), mas é só minha imaginação.
Conheci Peter através de suas adaptações e, foi depois de crescer que, de fato, li o livro. Não sei dizer qual é o mais mágico, pois este é um comparativo muito injusto: a visão de uma criança e de um adulto. Uma coisa, porém,é certa: essa história toca meu coração em todos os níveis em que se apresente. Se antes acreditei tanto que tive a coragem, mesmo sem o pó mágico, de subir em um balcão e ensaiar um vôo; hoje escuto um "sininho", que chama minha atenção para uma parte de mim que parecia já estar guardada e inacessível. Sim, aqui ainda existe uma criança e, se depender de mim, ela não vai crescer.



Video-curiosidades:

Não é possível, especialmente para mim, listar todas as adaptações dessa história mágicas. A quantidade de peças, filmes e séries em volta do menino que não queria crescer é incontável. Postarei aqui as três adaptações cinematográficas que fizeram minha infância mais feliz.

Para mim, a melhor adaptação (apesar de, como é típico da produtora, mudar uma ou outra coisa) é o filme "Peter Pan" de 1953 produzido pela Disney. Não é a primeira vez que posto um filme desta produtora aqui e, não importam o que digam, esses filmes marcaram minha infância profundamente, estando Peter Pan imensamente incluído, claro, e por isso eu sou super fã da Disney. Pronto, falei.
O segundo no ranking para mim é o filme "Hook- A volta do capitão Gancho", com Robbin Williams. Também muitos não gostam do autor, mas eu garanto que é um filme extremamente tocante.
Em terceiro, mais por causa dos cenários e efeitos especiais, o filme de 2003, dirigido por P. J. Hogan, "Peter Pan", que foi uma adaptação live-action do filme da Disney.
Por último, indico o filme "Em busca da Terra do Nunca" para aqueles que quiserem saber um pouco mais sobre a história de como Barrie criou Peter Pan, embasado na família da qual ele era amigo. Com relação a este filme, devo afirmar que não sei até que ponto a veracidade dos fatos foi respeitada. Vale a pena de qualquer maneira.