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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"Little Women", Louisa May Alcott

Publicado em 1868,  "Little Women" (traduzida para o português como "Mulherzinhas" ou “Pequenas Mulheres”ambos títulos com os quais não me identifiquei), de Louisa May Alcott, é reconhecido como um dos mais amados clássicos da literatura infantil de todos os tempos. Atemporal em sua evocação do ideal de harmonia familiar e convívio fraterno, foi originalmente escrito como uma história "para meninas", mas logo transcendeu os limites de tempo e idade, tornando-se tão popular entre os adultos quanto entre as crianças.
É difícil identificar-se apenas com um dos personagens. Seja a linda e doce Meg ou a independente e original Jo; a delicada e amável Beth ou a bela e precose Amy, o bebê da família. Desde a primeira página do clássico sobre mocidade, mergulhamos no círculo familiar dos March, onde somos convidados a presenciar uma tipicamente animada discussão entre as garotas. O laço de intimidade e empatia estabelecido entre leitor e personagens é firme e imediato, extinguindo-se após o fim da última página, ou ainda perdurando na reflexão pós-literal.
Escrito a partir da sugestão de seu editor, que queria uma "história para meninas", o livro oferece uma caracterização tão ricamente imaginativa e visualmente viva que sentimo-nos, ao final do livro, como se estivéssemos dando um adeus de despedida a velhos amigos. Apesar da modéstia de Alcott com relação ao livro, o grande sucesso da obra assegurou que mais uma vez as cortinas se abririam para o drama doméstico da família March em "Good Wives", que foi publicado no ano seguinte.
Lido por muitos, enquanto crianças, uma vez que o livro foi originalmente escrito para esse público, tornou-se, indiscutivelmente, um livro também para adultos. Seu atrativo ao leitor infantil, preferencialmente feminino, é bastante óbvio. A excentricidade de Jo e seu jeito "de menino", os dramas e as crises, o estilo de prosa lúcido e despretencioso: tudo isso torna a leitura deliciosamente agradável. Mas qual é o encanto para adultos? É exatamente nesse sentido que um aspecto ainda mais interessante é ressaltado. Enquanto Little Women pode ser um livro charmosamente simples, retratando um mundo relativamente inocente, está longe de ser um livro ingênuo. Em sua essência está a mensagem de que, na vida, a experiência é a melhor professora, e que as melhores lições são aprendidas a partir da adversidade.
Ver imagem originalO livro de Alcott, conscientemente, ecoa a obra "The Pilgrim's Progress", de John Bunyan. Este é o livro que Marmee - afetuoso apelido com o qual as filhas chamam a mãe - dá a cada uma das filhas, como um guia instrutivo para ajudá-las na jornada da vida. Elas são encorajadas a consultar a história regularmente, na esperança de que o conto de Bunyan reenforce as lições de moral que a mãe tenta transmitir através de sua sabedoria prática, além de consolá-las em tempos de dificuldade. Isso as assegura que não estão sozinhas em suas lutas, reconfortando-as. Assim, a obra exerce um poderoso encanto nos leitores adultos, lembrando-os da alegria inocente da infância e dos obstáculos a superar na juventude, os quais não aparentam mais ser um problema na vida adulta. Mostra o sofrimento como uma parte necessária da experiência humana, mas confirma que essa experiência pode também ser muito positiva. Da experiência, surge a sabedoria.
De fato, Little Women possui diversos contos que exemplificam, com um humor fascinante, várias lições de moral. Marmee acredita firmemente na virtude do auto-aperfeiçoamento, uma convicção que, indubitavelmente, ecoa os valores do pai da autora, que era conhecido por suas visões não-ortodoxas de educação, de que os estudantes deveriam estar ativamente envolvidos no processo de aprendizagem. Por sua vez, cada menina se depara com diversos testes de sua força de caráter ou desafios de fraquezas pessoais. Assim, Jo aprende a importância do perdão e de controlar seu gênio quando sua irmã Amy quase se afoga em um rio congelado; e Meg aprende o valor da modéstia e de ficar feliz com o que tem quando ela se humilha na festa dos Morffats. As meninas também enfrentam desafios coletivos, os quais elas precisam negociar em grupo, como quando marmee pergunta se elas estariam dispostas a sacrificar o café-da-manhã de Natal - um raro e ansiado regalo em tempos austeros - para ajudar a pobre família Hummel. Essas vívidas lições ilustram o fato de que há outras pessoas em situações bem piores que os March.
Este triste episódio é compensado pela comédia do experimento do "descanso e brincadeira": um grande fracasso, mesmo com a determinação das garotas de aproveitar sua libertação das tarefas diárias. Mais uma vez, as meninas chegam a conclusão de que marmee sabe o que é melhor para elas. Sem a estrutura oferecida pelas responsabilidades domésticas, as meninas se vêem sem rumo. Esta é uma casa que prospera na tranquilizadora regularidade da rotina e tradição, com refeições familiares e certezas diárias, além de uma insistência puritana no valor do trabalho duro. Estrutura e previsibilidade fornecem conforto, gerando harmonia doméstica e enfatizando as alegrias do companheirismo.
Ver imagem originalEm diversas maneiras, o sucesso dos contos de Alcott pode ser atribuído à sensação de bem estar que eles transmitem, que vem de seu constante, e nada ingênuo, otimismo. É um otimismo baseado na fé cristã - Little Women enaltece valores como abnegação, amor e tolerância - e na crença de que o bem e a justiça prevalecem. Mesmo que cada personagem sofra, em pequenas e grandes instâncias, no fim, a aflição é superada. Beth sobrevive de seu surto de febre escalarte, sempre com a paciência de uma santa, e o pai, de quem elas são separadas logo no início do livro, consegue voltar da guerra. O sofrimento é parte da vida e é nossa atitude com relação a ele que define nossa experiência. Enquanto Beth parece ter nascido preparada para as provas da vida, as outras garotas tem um longo caminho a percorrer no desenvolvimento da paciência e tolerância.
Ao mesmo tempo que acalma e tranquiliza, a obra é extremamente divertida e, por vezes, hilária. Seus reservados prazeres e dramas são muitos. A narrativa é caracterizada pela leveza no toque, perfeita no humor gentil que põe graça aos defeitos das garotas. Vemos a impetuosa Joe lutando contra sua língua afiada, "pensando que manter seu temperamento em casa é uma tarefa mais difícil que enfrentar um ou dois rebeldes", e rir afetuosamente da precoce Amy que poderia "tocar doze notas, fazer crochê e ler francês sem errar a pronúncia de mais de dois terços de palavras". Certamente, a mimada Amy, a clássica caçula, é frequentemente o foco dos gracejos humorísticos da narradora: sua vaidade, amor pelas coisas bonitas e modismos passageiros fazem dela o alvo perfeito.
Porém, nem todo o humor do livro é de variedade gentil. A fantástica descrição mordaz da frívola e superficial Sra. Moffat tem um genuíno ferrão em sua cauda. A cultura dos Moffat de vaidosa superficialidade, como testemunhado pela impessionável Meg, é fortemente reprovada por desencorajar todos os valores cultivados por marmee.
O livro agrada não somente pela admirável criatividade com que as garotas se entretêm - os sóbrios e zombeteiros rituais adultos do clube Pickwick, o divertimento das esnobes crianças com o jogo de "autores" de Jo -, como também a forma como a linguagem descritiva é usada. Enquanto mantêm um infalível foco na claridade de expressão, a prosa de Alcott irradia vitalidade e bom humor. Algumas palavras cuidadosamente escolhidas falam muito sobre seus personagens e definem os aspectos positivos de qualquer situação ou circunstância. A ênfase está sempre na alegria que a vida pode oferecer: todos os ricos prazeres das coisas estão sempre disponíveis.
Outro elemento descritivo que encanta é o uso frequente das imagens retiradas da natureza. Os pássaros são uma preferência particular: Beth se refere as meninas como pássaros em seu pequeno ninho e Jo é descrita como uma ovelha sem lã em um dia de inverno quando ela vende seus cabelos para mandar dinheiro para o tratamento do pai - uma das mais belas cenas do livro -, dentre outras referências. Essas imagens, finalmente, acabam por enfatizar o ideal cristão de harmonia com o mundo de Deus.
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Enquanto muitas alegrias são divididas, cada menina aproveita a vida em seu modo particular. No fim do primeiro cápitulo, o leitor já possui um senso bem definido da personalidade de cada garota, que é seguido por diferenças também físicas e de indumentária. Em algumas ocasiões, Alcott aplica uma técnica, frequentemente com efeito cômico, onde ela dá a cada garota uma resposta diferente à mesma situação. Em uma acalorada ocasião, "Jo riu, Meg censurou, Beth implorou e Amy lamentou-se". Essa nítida descrição tanto define a atitude de cada garota diante da vida, quanto enfatiza suas diferenças coletivas.
Ainda que as garotas sejam as grandes protagonistas da narrativa, marmee  é o Sol ao redor do qual elas orbitam e que fornece a dinâmica organizacional do livro. Quando ela está longe, a casa se atrofia e as meninas sentem-se muito perdidas. Ao aparecer esporadicamente através do livro, sua influência permeia em cada página. Este é um livro definido pelo amor de mãe e o desejo materno de criar bem suas filhas e prepará-las para suas futuras vidas. Little Women  dramatiza a educação dos filhos de forma que a mãe enfrenta diferentes dilemas com cada garota, uma experiência extendida pelo fato de que ela é, efetivamente, uma "mãe sozinha", uma vez que o pai nem sempre está presente.
O trato de Alcott com os papéis da maternidade e seus desafios torna-se ainda mais impressionante pelo fato de que ela nunca foi mãe. Por outro lado, talvez seja esse mesmo o motivo pelo qual sua voz narrativa é definida por esse papel maternal, como vemos com a família March, para a qual demonstra querer sempre o melhor, mas sem a timidez de oferecer uma palavra gentil de crítica construtiva. É, assim, irrefutável, que o livro é definido pela influência matriarcal, tanto da própria marmee, quanto da prrsença maternal da narradora.Ainda assim, não é um livro só para garotas. A ausência do Sr. March cria um vazio no coração da narrativa e da vida familiar que é somente preenchido com seu retorno. Little Women é um livro para a vida e para uma variedade de leitores muito além da imaginação de sua modesta autora.


Videocuriosidades:

Em 1949, surgiu a primeira adaptação cinematográfica da obra, dirigida por Mervyn Leroy e traduzida para o português como "Quatro destinos". Estrelaram June Allyson, Peter Lawford e Margaret O'Brien.
Uma nova adaptação foi realizada em 1994 com um incrível elenco: Susan Sarandon, Winona Ryder, Kirsten Dust e Christian Bale. O filme, traduzido como "Adoráveis Mulheres", é excelente, com ótimas atuações - como era de se esperar - e uma compressão bem feita da história.
Ambos os longas vão além da história de "Little Women", incluindo também sua sequência "Good Wives".


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