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domingo, 17 de fevereiro de 2013

"Timão de Atenas", William Shakespeare

Publicado em meados de 1623, "Timão de Atenas" é mais uma grande obra de William Shakespeare que evoca e satiriza intensos sentimentos da essência humana. Nessa obra, o autor possui apenas um foco e uma intenção: colocar em análise a ganância humana, apresentada tanto na generosidade pretensiosa de nosso protagonista, quanto nas falsas amizades que ele possui.
Timão é um rico mecenas que patrocina políticos, artistas, filósofos e qualquer um que se diga seu amigo. Bastante generoso, está sempre rodeado de admiradores dispostos a ouvir tudo que ele tem para dizer. Esses "amigos", no entanto, são constituídos por um grupo de pessoas que estão dispostas a ficar por perto até que sua fortuna finalmente se extinga. Timão consegue, com facilidade, encher uma mesa de banquetes ou lotar uma de suas festas com pessoas que, aparentemente, o apreciam muito. Ao mesmo tempo, será que uma quantidade tão absurda de pessoas iria manter-se próxima simplesmente para receber presentes e comer de graça? Apemantus, um personagem que surge para dar contra-peso às idealizações de Timão, parece achar que os amigos deste último não passam de bajuladores baratos, mas também ele permanece por perto, sem desfrutar dos banquetes e presentes.
O principal, ou praticamente único, tópico abordado no livro sintetiza-se na seguinte indagação: dinheiro compra amizades? Shakespeare busca, com sua prosa, fazer-nos questionar sobre a ligação que existe (ou não) entre o bem-estar material e os laços de amor e amizade. Que todas as pessoas estão em busca de seus próprios interesses, é irrefutável. Inclusive, absolutamente aceitável quando esse "interesse" é pela boa companhia, o sentimento em si e o relacionamento de uma maneira geral. Afinal, quando vamos buscar lá no fundo, é o interesse pelas coisas e pelas pessoas que move o ser humano. Mas em que ponto podemos começar a desconfiar que o interesse é ou torna-se algo de material, supérfluo, não somente com relação ao dinheiro, mas com relação ao conforto e à praticidade? Como descobrir se esses "laços" são, na verdade, um relacionamento unilateral, onde, enquanto um se doa, o outro apenas usufrui? Essas "amizades" só são mantidas até que aquele que busca precise da ajuda do outro.
A riqueza de Timão é única em sua grandeza. Sua generosidade parece ser auxiliada por uma fonte inacabável de recursos, dos quais ele se beneficia incessantemente. No entanto, em determinado momento, essa fonte tem que se esgotar. Logo, Timão hipoteca suas terras para comprar presentes e fazer festas. Ele chega ao ponto de pedir empréstimos aos amigos para poder, em seguida, comprar-lhes presentes.
Todos esses esforços, porém, parecem sem sentido. Alguns podem interpretar o comportamento de Timão como ingênuo ou inocente. Aparentemente, porém, Timão se coloca nessa situação simplesmente, porque precisa da atenção e do agradecimento de seus amigos. Tampouco ele oferece esses presentes esperando retorno material. Ele sente a necessidade de ter prestígio social. Na realidade, ele adquire status através de seus gastos e acredita que sua "generosidade" solidifica sua amizade com os lordes de Atenas que o rodeiam. Assim, apesar de nosso personagem colocar sua confiança em vínculos intangíveis, a máscara da realidade cai para ele quando se coloca na situação de pedir empréstimos. Todos seus amigos se recusam a lhe ajudar quando a única garantia que ele tem para oferecer é a amizade.
Os comentários de Apemantus no decorrer do livro fazem contraste com as crenças idealísticas de Timão. O primeiro acredita que as pessoas são naturalmente gananciosas e perversas, talvez uma inspiração do autor na filosofia desenvolvida no período, intimamente ligada com o trabalho do filósofo e escritor inglês, Thomas Hobbes. Apemantus também acredita que a generosidade não é uma marca da sociabilidade, mas um investimento com o objetivo de influenciar os outros e ganhar o retorno social da admiração, do respeito e da capacidade de manipulação. Assim, tanto as ideias dele quanto as do nosso protagonista se baseiam na questão de quanto a abundância ou carência de bens materiais determina a interação de um indivíduo, tanto na sociedade, quanto na maneira que ele vê a si mesmo.
As trocas de mercadoria são as únicas transações que acontecem nessa peça. Ou seja, são as permutas financeiras que dominam a obra, onde as mulheres não ocupam nenhum papel de importância. Assim, o câmbio de capital desenvolve um papel perverso e depravado, tomando o lugar de uma possível relação heterossexual romântica que poderia vir a ser um dos focos da narrativa. Da mesma maneira, a história baseia-se no antigo retrato de "usura" como uma maneira depravada de obtenção artificial de lucros.
A reação de Timão à sua queda é bastante curiosa. Como muitos dos personagens das obras de Shakespeare, Timão possui um caráter egoísta e precisa aprender uma lição para crescer como pessoa e prosseguir. Ainda assim, ele fracassa nessa tarefa. A única mudança que percebemos no personagem é a saída de um comportamento extremo para outro. Enquanto, no início, ele se isolava dos outros lordes para conseguir se manter em aparência como um deus de generosidade, inatingível, após perder seu dinheiro, ele se isola na floresta, amaldiçoando a humanidade com o mesmo entusiasmo com o qual ele a louvava anteriormente. Mesmo quando sua crença de que a natureza amigável do homem é inatamente gentil mostra-se falsa, o egocentrismo de Timão permanece imbatível e ele continua achando que deve se manter afastado dos outros por ser melhor que eles. É então que morre sozinho, enterrando a si mesmo em seu próprio epitáfio.

"TIMÃO - Ah, muralhas de Atenas, vou olhar pra vocês pela última vez. Vocês, que cercam esses lobos, caiam por terra e deixem Atenas ao deus-dará. Mulheres, chafurdem na bacanal. Crianças, não obedeçam mais ao papai. Escravos e idiotas, arranquem do plenário os veneráveis membros murchos do Senado e assumam o poder. Virgenzinhas em flor, convertam-se . Falidos do mundo, "uni-vos" - em vez de pagar as dívidas, puxem da navalha e rasguem a garganta dos credores. Trabalhadores assalariados, roubem - os seus patrões são ladrões de mão grande, que roubam também, mas com o apoio da lei. Empregadas, já pra cama do patrão - a patroa ainda não voltou do bordel. Jovens, ao completar dezesseis anos, arranquem a muleta estofada do seu progenitor aleijado e rachem com ela a cabeça dele. Piedade, temor, religião, paz, justiça, verdade, respeito em casa, noites de folga, boa vizinhança, boa educação, boas maneiras, hierarquias, artes e ofícios, usos, costumes e leis, degenerem até que tudo morra no seu contrário e ainda assim viva o caos. Pestes do mundo, que as suas febres invadam Atenas, pronta pra o abate. Que a fria ciática lese tanto os nossos senadores que os seus membros fiquem tão frouxos quanto os seus costumes. Que a luxúria e a libertinagem penetrem sutilmente na medula dos jovens, pra que eles nadem contra a corrente da virtude e se afoguem na perdição. Que sarnas e pústulas plantem-se fundo nos corações atenienses, e que a colheita seja a lepra geral. Que o hálito infecte o hálito, e que a amizade destile puro veneno. Não levo dessa cidade execrável nada mais que a nudez do corpo. Que ela fique nua também, debaixo de mil maldições. Timão vai pra floresta, onde a fera mais desumana é mais humana que a humanidade. Que os deuses - todos os deuses, estão me ouvindo! -, que os deuses amaldiçoem os atenienses, dentro e fora dessas muralhas. Que a vida de Timão faça o seu ódio ser eterno. Contra todos os homens do mundo, no olimpo e no inferno. Amém.
Timão, no entanto, é uma figura ambígua. Quando ele sai de Atenas, declara que a humanidade pode ser resumida em ganância e nada mais. Mas será que, de fato, podemos concordar com ele? Provavelmente, essa percepção sem propósitos é sua resposta ao desprezo e humilhação que sofreu. Se, no início, ele se mostrava um homem tolo, porém generoso, no fim, ele não passa de um homem furioso que continua tolo. Ele deixa a cidade por causa do comportamento cruel de alguns homens, tomando-os como sinal da podridão da humanidade. No entanto, alguns outros personagens tentam provar o contrário.
Flavius divide suas provisões financeiras com os serviçais de Timão, provando-se um homem honrado aos olhos deste. Apemantus e Timão, apesar das discussões, apreciam a companhia um do outro. E, por fim, há Alcibiades, que prepara um ataque à cidade para restabelecer a honra de Timão em Atenas. Com tantas pessoas ao lado de Timão, buscando fazê-lo retornar à cidade e lhe dando suporte, a insistência dele sobre a natureza má da humanidade não procede.
De fato, após a morte de Timão, quando Alcibiades chega aos portões de Atenas, os senadores usam um argumento bastante interessante para tentar convencê-lo a não atacar. Eles explicam que aqueles que foram cruéis com Timão (e com o próprio Alcibiades) são apenas uma pequena porção da população e, portanto, poderiam ser facilmente identificados e punidos. A conclusão da peça, assim, recai na sugestão de que a crueldade não é um fenômeno universal, como Timão imaginava, e sim algo aparentemente restrito a seus "amigos" gananciosos.
Por fim, nos é deixada uma mensagem inconsistente. O herói, se assim podemos denominar Timão, toma decisões erradas quando rico (fazer empréstimos para dar presentes) e também quando perde seus bens (deixar a cidade e amaldiçoar os homens). Com esse comportamento extremo, ele acaba por não ter tempo de aprender nada e morre antes de encontrar um sentido na vida, entre suas reações exacerbadas. Afinal, será que os esforços de Timão nos alertam para desconfiar da generosidade, já que vimos que seus destinatários são aduladores ingratos? A peça é, realmente, uma contestação contra a amizade, quando mostra que as amizades de Timão são guiadas pela ganância?
Ao mesmo tempo que podemos responder positivamente a essas questões, encontramos traços que enfatizam o contrário na obra. Mas quando Flavius, um homem de classe baixa, aprecia genuinamente a generosidade de Timão e o oferece sua amizade, devemos interpretar que a maioria das pessoas é, de fato, gentil? Além disso, os números apresentados por Shakespeare não nos levam a uma conclusão: enquanto três homens desprezam Timão, são três os homens que o visitam, tentando conectar-se com ele de várias maneiras. Ainda que Timão tenha acabado indeciso quanto à interpretação dos acontecimentos, a peça, como um todo, poderia, como tantas outras, transmitir uma ideia absoluta aos leitores. Como Timão, porém, a história finaliza-se com ideias amplamente ambíguas. Talvez nem mesmo Shakespeare tivesse ainda conseguido decifrar o enigma das relações sociais e, colocando-nos o tópico em mente, nos convida a tirarmos nós mesmos as conclusões que, suponho, serão parciais e baseadas nas experiências de cada um.


Video-curiosidades

A peça raramente saiu dos palcos às telas de cinema e televisão.
Todo o registro que pude encontrar resume-se a uma série criada em 1981 pela BBC, dirigida por Jonathan Miller e a uma adaptação cinematográfica de 2009, dirigida por Michael Shaw Fisher.

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