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domingo, 1 de julho de 2012

"O Jardim Secreto", Frances Hodgson Burnett

O romance "The Secret Garden", da escritora inglesa Frances Hodgson Burnett, foi publicado pela primeira vez em 1911. Não é à toa que essa história é considerada o mais importante escrito da autora. "O Jardim Secreto" é caracterizado por sua habilidade de estabelecer uma linguagem que direciona-se para crianças, mas, ao mesmo tempo, lida com elementos simbólicos de grande complexidade.
A história inicia-se na Índia, onde a menina Mary Lennox crescera orfã de pais vivos e rodeada pelos cuidados de criados que pouco se importavam com ela. Vítima de sua própria sorte, Mary torna-se uma menina mimada, emburrada, adversa, egoísta e extremamente desagradável. Em seu interior, porém, encontramos uma garota negligenciada, mal amada e solitária.
A cólera atinge a região, tirando a vida dos desatenciosos pais de Mary e deixando a menina sozinha não somente espiritual, mas também fisicamente.
Ela é então enviada para a grande mansão de seu tio, Mr. Craven, em Yorkshire, na Inglaterra. Lá, ela conhece Martha, uma jovem e doce criada que ajuda a menina a dar seu primeiro passo em busca do renascimento, a partir do contato com a natureza. Quando Mary começa a brincar fora de quatro paredes, ela começa a abrir-se para um mundo novo e belo, onde não cabe a arrogância ou o egoísmo antes inerentes à sua personalidade.
Um belo dia, caminhando pelos jardins da propriedade do seu tio, ela descobre uma parte do terreno contornada por muros e, aparentemente, sem entrada. Sua curiosidade aumenta e ela começa a buscar os motivos pelos quais aquele lugar estava fechado e como ela conseguiria entrar. Um passarinho, do qual ela fica amiga, lhe mostra onde estava escondida a chave do jardim e a direciona até a entrada. Mary se encanta com aquele "pedaço de terra" que, em grande parte, parece estar morto, e, no entanto, apresenta pequenos, porém, eminentes resquícios de vida.
Ela, então, diz a Martha que gostaria de cultivar um jardim e a moça tem a idéia de pedir a ajuda de seu irmão Dickon, um menino um pouco mais velho que Mary, e que, diferente dela, foi criado em um ambiente cheio de amor e em pleno contato com a natureza, o que o tornou dócil,  amável, e, ao mesmo, seguro de si e corajoso. As duas crianças iniciam, assim, o que se torna uma grande amizade.
Uma certa noite, Mary começa a atentar para um episódio peculiar que se repete não tão esporadicamente: ela escuta choros e gritos, cuja origem é, para a menina, desconhecida. Resolve, então, investigar a fonte daqueles sons perturbadores e descobre, morimbundo em uma cama em um quarto de difícil acesso, seu primo Colin, do qual ela nunca ouvira falar.
Trancafiado em um aposento desde a morte de sua mãe, Colin acreditava com grande convicção que iria desenvolver uma corcunda e morrer ainda jovem. Ele havia crescido em uma atmosfera de medo sufocado e preconceito, subsistindo nos rumores e sussurros secretos que ele escutava do mundo dos adultos. O sedentarismo enfraqueceu suas pernas e a crença em coisas negativas o deixou enfermo, arrogante e egoísta. Seu pai nunca ia vê-lo, pois a lembrança da mãe que o menino trazia para ele o machucava muito. Assim, em uma situação parecida com a de Mary, deixado de lado pelo pai e órfão de mãe, fora deixado aos cuidados de pessoas que não estavam verdadeiramente preocupadas com sua saúde ou seu bem-estar, tornando-se extremamente arrogante, histérico e inseguro.
Mas a mudança de Mary e sua crescente felicidade são tão contagiantes que acabam por ser a salvação de seu primo doente. Sua exaltação por Dickon, seus animais e o jardim acendem uma pequena chama de entusiasmo em Colin, que também inicia seu processo de mudança. Logo, Colin também desperta uma paixão e, como Mary, não consegue mais ficar longe do jardim. 
É quando Mary entra em sua vida, portanto, que ele torna-se livre dos terrores secretos que o atormentavam. Enfurecida pelo comportamento autopiedoso de Colin, ela lança-se a um ataque ao menino, no qual ela examina suas costas e proclama: "Não tem sequer um caroço aqui!". E adiciona: "Histerismo é o que faz caroço. Não existe nada de errado com suas costas horríveis, a não ser histerismo!". Quando ele escuta essas palavras vindas de outra criança, faladas sem malícia ou qualificação, ele começa a aceitar a verdade.
Sua miraculosa transformação de pálido, murcho e hipocondríaco para confiante, energético e rejuvenescido é ainda mais marcante. Todas as conversas sobre deformidade e morte antes da maturidade desintegram-se a cada onda de excitação, planejamento e diversão e vemos, então,  a recuperação de sua saúde.
Um belo dia, o menino que não gostava de Sol, nem de ar puro, resolveu sair para ver o jardim e, a partir daí, fez isso por todos os dias subsequentes. Em pouco tempo, começava a andar e, principalmente, começava a acreditar que existe bem e que existe mágica no mundo. A companhia de sua prima, a natureza e sua fé o haviam salvado das moléstias de seu corpo e de seu futuro.
Ele resolve, então, usar sua carga de pensamentos positivos para trazer seu pai, que havia viajado para um lugar distante, de volta pra casa. Talvez por coincidência, talvez por mágica, o tio de Mary volta para encontrar seu filho correndo pelos jardins como um menino normal e feliz. E, apesar de todas as dores e perdas pelas quais passaram nossos personagens, no fim eles encontram uma maneira de alegrar-se consigo mesmo e com os outros, conseguindo superar as dificuldades e encontrar a felicidade em meio às tristezas da vida, através do amor e da fé. 
A obra infantil de Burnett não é somente um dos mais criativos contos já narrados sobre a mudança, a transformação, mas também é um dos mais duradouros e populares.
Seu encanto atemporal e sua revelação contínua, ambos responsáveis por traçar a obra como um clássico, podem ser atribuídos a vários fatores. Primeiro - o presente de Burnett para as histórias tensas e dramáticas: esse é um livro que nos faz ficar tentando adivinhar o que virá em seguida. Segundo - a perspicácia psicológica do livro: nós não somente acreditamos, como também simpatizamos, com as personagens. E, finalmente, há a exploração de diversas idéias que são tão pertinentes atualmente quanto há séculos atrás, particularmente a temática de que todos, sem exceção, devem ir em busca da saúde mental e física.
As páginas iniciais do livro estabelecem imediatamente a existência marginal de Mary, que é crucial para o nosso entendimento sobre ela e o curso dos eventos futuros. A partir daí, a narrativa que se segue é preenchida de tensão e incerteza, altas emoções e drama, mesmo que a crise na Índia no início do livro acabe por colocar Mary em seu inesperado caminho para a felicidade. Existem mistérios que parecem insolúveis, - de quem é a voz que Mary escuta a chorar à noite? - crises a serem negociadas - um garoto histérico que deve ser acalmado - e a maravilhosa descoberta das crianças que deve ser mantida em segredo no mundo dos adultos. O elemento crucial da incerteza é o que assegura a tensão do leitor.
No decorrer dos acontecimentos, descobrimos o real caráter da menina, que havia sido enterrado por anos de negligência de seus pais. Quando, conversando com Martha, ela começa a sentir um certo interesse em Dickon, enquanto que ela nunca antes havia se interessado por ninguém a não ser ela mesma, nós podemos perceber essa mudança na personagem.
Assim começa a jornada de Mary pela auto-descoberta. Ela encontra uma nova fonte de energia, apetite e entusiasmo e experiencia um despertar quase religioso para as alegrias da natureza, culminando em seu renascimento. E esse renascimento é tanto físico quanto mental. Se antes magra e pálida, ela se torna rosada, saudável e sorridente. Se, uma vez, azeda e rancorosa, ela mostra-se um exemplo de altruísmo e pensamentos positivos. Assistimos o surgimento de uma menina rejuvenescida e amável.
Mas, de fato, o que torna sua transformação tão convincente é a maneira com que ela está intimamente ligada com a descoberta do jardim secreto, o estabelecimento de uma firme amizade (possivelmente ligada a uma paixão infantil) com Dickon, que parecia "bom demais para ser verdade", e os meios pelos quais ele acorda os sentidos dela e a encoraja a apreciar a natureza. O relacionamento de Mary com a natureza - e, por extensão, o mundo a sua volta - é um aspecto que define o espírito do livro. Quando se volta para o jardim secreto, ela nutre sua alma vazia e experiencia a felicidade plena. Se seu mundo era antes atrofiado, ele é agora tão pleno de potencial que ela salta da cama de entusiasmo a cada nova manhã.
Como Mary, o crescimento de Colin está alinhado às estações do ano e o surgimento da vida no jardim: é o início da primavera.  O menino que antes era histérico, quase louco e hipocondríaco torna-se um profeta do otimismo e zelo pela vida.
A transformação final, porém, que coincide magicamente com o momento de triunfo de Colin, é de Mr. Craven. Após anos de uma miséria auto-imposta, ele renasce e volta para casa para ser recompensado com a aparição de seu filho em perfeita saúde.
A inicial ruína dos dois primos é a falta de um amor familiar: a mãe de Mary era muito frívola e vaidosa para se preocupar com a menina e, na ausência da mãe, o pai de Colin é muito temeroso e depressivo para lidar com o garoto. Diferente deles, Dickon cresceu em harmonia com o mundo à sua volta. A sua família poderia ser pobres materialmente, mas o ambiente que ela proveu para Dickon não poderia ser mais amoroso. Como resultado, ele é confiante e seguro sobre o amor de sua mãe. 
Assim, as duas crianças anseiam por conhecer a mãe de Dickon desde a primeira vez que ouvem falar sobre ela e, quando, finalmente, Colin a encontra, sua incontrolável reação é a de dizer: "Você é tudo o que eu queria... Eu queria que você fosse a minha mãe." E essa mãe, cujos preceitos são respeitados e admirados pelos personagens do livro, cria seu filho de maneira a torná-lo desenrolado e proativo, libertando-o, sem abandoná-lo, para o contato com a natureza.
Uma das passagens que ilustra muito bem o sentido da obra é a seguinte:
"...pensamentos simples são tão poderosos quanto uma pilha - tão boa quando a luz do Sol ou tão ruim quanto veneno."
Interessante também notar que, para a época, a "pilha elétrica" era um elemento poderoso. A tecnologia se desenvolveu, mas a parte importante da afirmação permanece.
A mágica que envolve o fim do livro transforma os personagens, as palavras do narrador e acaba por intoxicar o leitor. O jardim não é somente secreto, mas, principalmente, encantado, transmitindo, com sua beleza e mutação, as mais valiosas lições com o mais leve dos toques.
"'A senhora acredita em mágica?', perguntou Colin depois que lhe explicou sobre os faquires da Índia. 'Tomara que sim'. 
'Acredito sim, meu filho. Eu nunca conheci por este nome, mas o nome não importa. Aposto que na França tem um nome diferente e na Alemanha tem outro. Mas é a mesma coisa que faz semente inchar e o Sol brilhar, e fez você ficar bom. É uma coisa boa. Não é que nem a gente, que se importa com o nome. Essa Coisa Boa Enorme nem se preocupa [...] Nunca deixe de acreditar nessa Coisa Boa Enorme, e de saber que o mundo está repleto dela, não importa o nome.'" 
Ler "O Jardim Secreto" é deixar-se tocar pela magia e acabar por fazer parte dela.

Curiosidade:

Dentro de um contexto rico e um desenvolvimento elaborado, a principal lição do livro assemelha-se a de seu contemporâneo "Pollyanna", da estadunidense Eleanor Porter. O fato curioso dessa similitude é que a publicação dos dois livros é separada por apenas dois anos.

Vídeo-curiosidades:

Quando escolhi, atualmente, fazer a leitura do livro, foi porque o filme "O Jardim Secreto" de 1993 embalou a minha infância e tocou o meu espírito de criança. Dirigido por Agnieska Holland, é um filme muito bem elaborado, que conseguiu transmitir com excelência o espírito do livro. Alguns detalhes que poderiam passar despercebidos nas telas de cinema foram sugeridos através da adição de cenas ou características dos personagens, como o fato de que Mary não consegue chorar. E, na realidade, o filme conseguiu levar essa bela história, que não podia passar despercebida, para o mundo inteiro. Para mim, é definitivamente um clássico.
Anterior a essa versão e dirigido por Fred Wilcox, em 1949 surgiu a primeira adaptação do livro para os cinemas.
Em 2001, foi lançada a continuação do filme de 1993, "De volta ao Jardim Secreto". Mas, como quase todas as continuações, não diria que é uma grande produção.

3 comentários:

  1. Olá!Estou lendo o livro, pela prmeira vez, com nossas filhas de dois e quatro anos. Por achar a história um pouco forte para a idade delas, resolvi pesquisar um pouco mais a respeito. Daí, encontrei sua resenha. Parabéns, ficou excelente! Agora, estou ainda mais motivado para concluir a leitura com as pimpolhas.

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  2. OI SOU VAL VOU FAZER UMA PERGUNTA MARY CONTA A COLIN A HISTORIA DE KRSHNA QUE CONHECERA NA INDIA PELO RELATO DE SUA AIA ELA E O PRIMO TEM A MESMA OPINIAO SOBRE A HISTORIA PORQUE

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  3. quais as diferenças entre o livro e o filme?
    eu só "enxerguei" a maneira de se encontrar a chave, colin no livro não pede a mão de mary em casamento, no filme cortam a cena que ela sabe que os pais morrem, onde bebe vinho e come depois dorme. se eu estiver errado me corrijam, por obséquio

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