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quarta-feira, 13 de abril de 2011

"Razão e sensibilidade", Jane Austen

Como primeiro livro de Austen a ser publicado, em 1811, "Sense and Sensibility" não atinge a maturidade literária, em termos de entretenimento do leitor, alcançada por outros livros de nossa querida autora, como "Pride and Prejudice". Ainda assim, é uma obra bastante interessante e divertida e reflete, bem como o anteriormente citado e postado livro de Austen, costumes e tradições do periodo.
Por aproximar-se, por vezes, do melodrama, apresentando-se como um agitado romance da vida privada, a obra pode ser subestimada. No entanto, os diversos aspectos por ela abordados com relação ao amor e à maneira de reagir aos infortúnios da vida devem ser considerados como um prazeroso estímulo na leitura da obra. Austen nos apresenta uma poderosa crítica aos valores do período.
O romance conta a história de duas irmãs, Elinor e Marianne. Marianne é a antropomorfização da sensibilidade e Elinor, da razão (razão aqui também definida como responsabilidade social, dentre outros termos). Em nosso primeiro contato com Marianne ela é descrita como sensível e esperta; enquanto que os sentimentos de Elinor são caracterizados como fortes. Isso nos mostra que cada uma tem um toque da qualidade que define a outra. Assim, é simplista ver as duas irmãs como o oposto uma da outra. O livro argumenta repetidamente que, assim como os sentimentos devem ser moderados pelo senso comum, a razão sozinha e intocada pelos sentimentos bons, não é suficiente.  Austen, com o comportamento, por vezes, hipersensível de Marianne, satiriza o culto à sensibilidade; por outro lado, também mostra que pouco sentimento pode ser tão perigoso quanto muito.
Após a morte de seu pai, as irmãs Dashwood perdem toda sua herança para um meio irmão, John Dashwood. Ele e sua mulher vão, então, viver na casa que, antes, era da sra. Dashwood. A família se vê obrigada, a partir disto, a buscar um novo lar e deixar aquele onde vivera toda uma vida até aquele momento. Durante o período em que elas passam à procura de uma nova casa, o irmão da sra. John Dashwood, Edward Ferrars, vai visitar sua irmã. Elinor, a filha mais velha da sra. Dashwood, adquire uma forte conexão com ele. No entanto, sua prudência faz com que ela evite comentários com relação aos seus sentimentos pelo rapaz.
Com a ajuda de familiares, elas conseguem se mudar para uma pequena casa no campo, onde Marianne, a filha do meio, conhese o sr. Willoughby e se apaixona perdidamente por ele, entregando seu coração com inocência e imprudência.

O grande enfoque do livro está nas divergências de personalidade de Marianne e Elinor. Ambas se apaixonam por rapazes que, em certo ponto do livro, mostram-se comprometidos com outras moças. A reação da sentimentalista Marianne é se entregar ao desespero, sem esconder dos demais seu sofrimento e sem refletir sobre o quanto sua reação pode estar abalando as pessoas que a amam. Já Elinor, que descobrira o noivado de seu amado antes que qualquer uma, pela boca da própria noiva, uma esperta e, por vezes, até cruel moça chamada Lucy Steele, reage com aceitação e guarda para si toda dor e todas as lágrimas. A passagem seguinte reflete esta diferença de visão de mundo das duas irmãs.

"- Quatro meses! Você sabe de tudo há quatro meses? Elinor confirmou.

- Quer dizer que enquanto me deu forças na minha miséria, guardava isso em seu coração? E eu que cheguei a criticá-la por ser feliz!
[...]
- Quatro meses! E você ainda o amava!
- Sim. Mas não amava apenas a ele, e como a paz dos outros é importante para mim, fiquei contente por que os poupava de saberem como me sentia. Agora, posso pensar e falar nisso com menos emoção. Fazendo-o agora, não a levo a sofrer por mim porque posso afirmar-lhe que não sofro mais materialmente. Houve várias coisas que me apoiaram. Tenho consciência de que não provoquei decepção alguma por imprudência cometida por mim e suportei a situação como pude, sem deixar que transpirasse para os outros. Desculpo Edward por ter agido errado. Desejo que ele seja muito feliz e tenho certeza de que fará o seu dever. [...]
- Se é assim que você vê as coisas... - disse Marianne - Se a perda de algo tão valioso pode ser substituída por outra coisa, sua resolução e seu autocontrole são, talvez, dignos de serem melhor considerados. Quanto a mim, acham-se além da minha compreensão.
- Eu a compreendo. Você acha que não senti muito. Durante quatro meses, Marianne, tudo isso ficou martelando em minha cabeça sem que eu tivesse a liberdade de conversar a respeito com nem sequer uma pessoa. O pior é que nem mesmo podia prepará-las para o desfecho, sabendo que iria tornar você e mamãe muito infelizes se lhes dissesse o que acontecia. Foi-me contado que um compromisso anterior destruía todas as minhas perspectivas... Aliás, foi uma maneira da própria pessoa interessada forçar-me a me retirar. Pelo que pude perceber, tudo me foi dito com uma sensação de triunfo. Tive de me opor às suspeitas dessa pessoa aparentando indiferença por algo em que estava profundamente interessada. E não foi apenas uma vez; tive de ouvir várias vezes as esperanças e as alegrias dela. Fiquei sabendo que me achava separada de Edward para sempre, sem tomar conhecimento de pelo menos um detalhe que me fizesse chegar à conclusão de que deveria cortar relações com ele. Nada demonstrava que Edward não era digno, nada indicava que ele era indiferente a mim. Eu teria de lutar contra a indelicadeza da irmã e contra a insolência da mãe dele; teria de sofrer um castigo pela afeição que dedico a ele sem, no entanto, poder aproveitar as vantagens. E tudo isso aconteceu num momento em que, como você sabe muito bem, eu não era a única a ser infeliz. Se você me considera capaz de sentir, com certeza pode imaginar o que sofri. A atitude de elegante compostura que mantenho enquanto falo nesses acontecimentos e o consolo que não procurei, porque não podia fazê-lo, são resultados de esforços contínuos e dolorosos... Essas coisas não surgiram por si mesmas, não apareceram logo no começo para me dar forças e apoio. Não, Marianne... Naquele momento, se eu não me visse obrigada a um silêncio absoluto, talvez nada teria conseguido me impedir... nem mesmo o carinho que tenho por meus melhores amigos... de mostrar a todos quanto eu estava sendo infeliz. Marianne achava-se quase persuadida.
- Oh, Elinor!  - exclamou.  - Você fez com que eu me odeie para sempre. Como fui malvada com você! Logo com você, que foi meu único consolo, que me deu forças para suportar tanta miséria, que pareceu estar sofrendo apenas por mim! E este foi o meu agradecimento! Este é o único modo que tenho para recompensá-la? Você tem o direito de chorar no meu ombro, pois foi o que tentei fazer para sempre!"

Austen preocupa-se em analisar uma sociedade obcecada por status social e financeiro. Casamentos arranjados, de acordo com dotes e não com amor; amizades feitas visando somente status.
Além disso, o comportamento diante da sociedade é vastamente discutido. Elinor sempre se coloca com educação, mesmo em situações que a deixam inconfortável. Enquanto isso, Marianne, deixando-se levar pelo coração, sequer tenta tolerar pessoas ou situações que afetam de maneira ruim seu espírito. Quando, na obra, encontramos o julgamento do comportamento de Marianne, não devemos nos deixar pensar que aquele é o julgamento da autora, mas sim da sociedade. A naturalidade de Marianne diante do modo artificial com que aqueles que estão a sua volta vivem suas vidas é um tema significativo do romance. Uma das falas de Marianne – bastante valiosa de se notar - demonstra seu pensamento com relação a outros personagens e à vida de uma maneira geral.
“Dinheiro só pode trazer felicidade onde não há mais nada que a traga.”
Ao final, o livro possui um pequeno furo na escolha do marido de Marianne. A apaixonada garota acaba por casar-se com alguém por quem sentia gratidão, mas não exatamente afeição ou amor. Já Elinor acaba o livro com seu grande amor, quase que por ironia.
Atentar para as inúmeras cartas mencionadas ou apresentadas no livro é também importante, pois, em uma sociedade onde os sentimentos são repreendidos, cartas eram valorosos veículos de pensamentos que não podiam ser livremente publicados.
Além do entretenimento, a obra nos leva a fazer importantes reflexões, como anteriormente abordado, sobre a vida, o amor, a demasiada prudência e o sentimentalismo exacerbado. Ela nos ajuda, a partir de seus personagens, a encontrar um ponto de equilíbrio entre razão e sensibilidade. É, portanto, um livro de leitura indispensável para quem quer aprender um pouco mais sobre as pessoas e analisar de maneira diferente suas próprias atitudes.


Video-curiosidades:

Em 1995, dirigido por Ang Lee, a adaptação "Sense and sensibility" se mostra de grande verossimilhança com a obra original, transmitindo a mensagem do livro em um filme de alta qualidade.  Apresenta também um grande elenco que merece citação: Kate Winslet, Emma Thompson, Hugh Grant, Alan Rickman e Hugh Laurie.

Diversas outras séries e adaptações foram apresentadas na TV. Com certeza, o filme citado é a de maior qualidade.

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