Anne Elliot, a segunda filha do barão Walter Elliot, é uma mulher de 28 anos tranquila e solitária. Ela carrega consigo uma seriedade melancólica. Seu único arrependimento na vida é de não haver se casado com Frederic Wentworth oito anos antes, quando ele havia proposto. Seu pai era contra a união e sua grande amiga, a sra. Russel, lhe havia persuadido de que esta era uma união desfavorável, pois Frederic não tinha relações sociais ou poder financeiro, mas apenas o futuro incerto de um oficial da Marinha em início de carreira. Após todos esses anos, no entanto, Frederic retorna rico e com o título de capitão, após adquirir grande prestígio por seu sucesso nas guerras napoleônicas. Ele guarda ainda uma grande amargura por Anne e, diante de uma mulher que foi tão facilmente manipulada, está convicto de que a ela falta caráter e firmeza de espírito. Muitas são suas pretendentes, incluindo as outras irmãs de Anne, a qual ele parece ignorar. Pelo menos, a princípio.
"Persuasion" é intrigantemente moderna na forma como nos apresenta a vida íntima de Anne. Nenhuma outra personagem parece familiarizada com seus sentimentos. Somente o leitor conhece suas verdadeiras emoções. Tímida e reservada, a modéstia de Anne chega a ser dolorosa. Ela toca piano muito bem, mas sente que, ao fazê-lo, está "satisfazendo somente a si mesma". Essa introversão da protagonista afeta a textura do romance, que, mais que qualquer outro de Austen, exige uma atenção especial aos detalhes. Da mesma forma que Anne está sempre atenta às mais leves nuances na fala de cada interlocutor, também o leitor precisa estar. Por exemplo, ao longo da obra, as palavras "persuadir", "persuasão" e "persuadível" aparecem por volta de 30 vezes, enfatizando a importância das escolhas pessoais e levantando um questionamento sobre qual é o melhor valor: a conviccção ou a flexibilidade. Afinal, se por um lado a flexibilidade é tantas vezes indispensável para promover a compreensão, incitar o diálogo e alimentar a empatia, por outro, a convicção nos ajuda a lidar com nossas próprias escolhas. Somente quando acreditamos nos caminhos que definimos para nós mesmos, conseguimos seguir sem remorso e arrependimento. A convicção nos dá clareza, ainda que tudo dê errado, por nos oferecer a certeza de trilharmos nossa própria estrada e sermos donos de nossa história. Mas, ao passo que a flexibilidade exacerbada pode nos tornar facilmente sugestionáveis, há uma linha muito tênue entre uma forte convicção e a arrogância. Determinação beira à teimosia e verdades absolutas constantemente nos conduzem a situações lamentáveis.Logo no início, encontramos o Sr. Walter Elliot lendo seu livro preferido - um livro sobre aristocracia - cuja parte que mais lhe agrada é a que se trata dele mesmo. Seu notável narcisismo é o principal e único ponto que constitui seu caráter. Ele acredita que a aparência física é a melhor medida de valor de uma pessoa e esse seu superficial orgulho próprio é apoiado e compartilhado por outras personagens. Ele chega, em um momento, a afirmar que o sucesso naval nada mais é que uma forma de alavancar pessoas de berço inferior à uma distinção indevida. Por isso, quando descobre que o almirante Croft será seu inquilino, fica satisfeito não pelos méritos navais deste último, mas por achá-lo muito apresentável em termos de beleza, tão grande é sua futilidade.
No entanto, assim que o almirante chega à casa, logo se livra dos imensos espelhos do quarto do Sr. Walter, já que não não compartilha de seu pomposo egocentrismo. Além disso, é notável a diferença de relacionamento que o sr. Walter tem com sua mulher, quando comparado a de outros personagens. Ambos participam ativamente das atividades do outro: tanto a Sra. Croft conhece amplamente o ofício de seu marido, quanto o sr. Croft colabora bastante com as atividades domésticas. Eles também se dividem na hora de dirigir. Ou seja, levando em conta essas e outras características, pode-se afirmar que esse é o ideal de Austen de um casal moderno. A representação que Austen faz da Marinha carrega a ideia de uma sociedade aberta e meritocrática, na qual a autora acredita. Sua admiração por esta instituição pode ser também associada ao fato de dois de seus irmãos terem servido na guerras francesas, sendo que um deles tornou-se também almirante.
A história do crescimento de Anne é também a história do desencadeamento de suas emoções. Logo no início, ela não é ninguém para o Sr. Walter e Elizabeth: sua palavra não tem peso, seu conforto sempre dá lugar ao dos outros. Ela chega a afirmar que "um forte senso de dever não é algo ruim para uma mulher" e, no entanto, seus sentimentos com relação a essa obrigação para com os outros precisam constantemente ser suplementados pela crença que ela possui em si mesma. Na verdade, ainda muito jovem, nossa protagonista havia sido forçada à prudência e somente aprendeu sobre romance quando já estava mais velha, uma sequela natural de sua infância incomum. Assim, com o passar do livro, suas emoções naturais vão sendo revitalizadas.
Videocuriosidades:
Em sua maioria, as adaptações cinematográficas mais conhecidas - e nem tão conhecidas assim - de Persuasion estrearam na TV.
A rede BBC fez duas minisséries, uma em 1960 - com Daphne Slater e Paul Daneman - e outra em 1971 - com Anne Firbank e Bryan Marshall.
Em 1995, uma adaptação com Amanda Root e Cláran Hinds estrou na televisão.
Finalmente, outro filme televisivo estrou em 2007 com Sally Hawkins e Rupert Penry-Jones. Este último, que eu assisti, não é dos melhores e fica longe de adaptações como as de Emma e Pride and Prejudice, mas se mantem fiel ao livro, nos ajudando a captar sua atmosfera melancólica e, talvez, por isso mesmo, não seja um filme tão atraente.