É difícil identificar-se apenas com
um dos personagens. Seja a linda e doce Meg ou a independente e original Jo; a
delicada e amável Beth ou a bela e precose Amy, o bebê da família. Desde a
primeira página do clássico sobre mocidade, mergulhamos no círculo familiar dos
March, onde somos convidados a presenciar uma tipicamente animada discussão
entre as garotas. O laço de intimidade e empatia estabelecido entre leitor e
personagens é firme e imediato, extinguindo-se após o fim da última página, ou
ainda perdurando na reflexão pós-literal.
Escrito a partir da sugestão de seu
editor, que queria uma "história para meninas", o livro oferece uma
caracterização tão ricamente imaginativa e visualmente viva que sentimo-nos, ao
final do livro, como se estivéssemos dando um adeus de despedida a velhos
amigos. Apesar da modéstia de Alcott com relação ao livro, o grande sucesso da
obra assegurou que mais uma vez as cortinas se abririam para o drama doméstico
da família March em "Good
Wives", que foi publicado no ano seguinte.
Lido
por muitos, enquanto crianças, uma vez que o livro foi originalmente escrito
para esse público, tornou-se, indiscutivelmente, um livro também para adultos.
Seu atrativo ao leitor infantil, preferencialmente feminino, é bastante óbvio.
A excentricidade de Jo e seu jeito "de menino", os dramas e as
crises, o estilo de prosa lúcido e despretencioso: tudo isso torna a leitura
deliciosamente agradável. Mas qual é o encanto para adultos? É exatamente nesse
sentido que um aspecto ainda mais interessante é ressaltado. Enquanto Little Women pode ser um livro charmosamente
simples, retratando um mundo relativamente inocente, está longe de ser um livro
ingênuo. Em sua essência está a mensagem de que, na vida, a experiência é a
melhor professora, e que as melhores lições são aprendidas a partir da
adversidade.
De
fato, Little Women possui diversos contos que
exemplificam, com um humor fascinante, várias lições de moral. Marmee acredita firmemente
na virtude do auto-aperfeiçoamento, uma convicção que, indubitavelmente, ecoa
os valores do pai da autora, que era conhecido por suas visões não-ortodoxas de
educação, de que os estudantes deveriam estar ativamente envolvidos no processo
de aprendizagem. Por sua vez, cada menina se depara com diversos testes de sua
força de caráter ou desafios de fraquezas pessoais. Assim, Jo aprende a
importância do perdão e de controlar seu gênio quando sua irmã Amy quase se
afoga em um rio congelado; e Meg aprende o valor da modéstia e de ficar feliz
com o que tem quando ela se humilha na festa dos Morffats. As meninas também
enfrentam desafios coletivos, os quais elas precisam negociar em grupo, como
quando marmee pergunta se elas estariam
dispostas a sacrificar o café-da-manhã de Natal - um raro e ansiado regalo em
tempos austeros - para ajudar a pobre família Hummel. Essas vívidas lições
ilustram o fato de que há outras pessoas em situações bem piores que os March.
Este
triste episódio é compensado pela comédia do experimento do "descanso e
brincadeira": um grande fracasso, mesmo com a determinação das garotas de
aproveitar sua libertação das tarefas diárias. Mais uma vez, as meninas chegam
a conclusão de que marmee sabe o que é melhor para elas. Sem
a estrutura oferecida pelas responsabilidades domésticas, as meninas se vêem
sem rumo. Esta é uma casa que prospera na tranquilizadora regularidade da
rotina e tradição, com refeições familiares e certezas diárias, além de uma
insistência puritana no valor do trabalho duro. Estrutura e previsibilidade
fornecem conforto, gerando harmonia doméstica e enfatizando as alegrias do
companheirismo.
Ao
mesmo tempo que acalma e tranquiliza, a obra é extremamente divertida e, por
vezes, hilária. Seus reservados prazeres e dramas são muitos. A narrativa é
caracterizada pela leveza no toque, perfeita no humor gentil que põe graça aos
defeitos das garotas. Vemos a impetuosa Joe lutando contra sua língua afiada, "pensando que manter seu
temperamento em casa é uma tarefa mais difícil que enfrentar um ou dois
rebeldes", e rir afetuosamente da precoce Amy que poderia "tocar doze notas, fazer
crochê e ler francês sem errar a pronúncia de mais de dois terços de
palavras". Certamente, a mimada Amy, a clássica caçula, é
frequentemente o foco dos gracejos humorísticos da narradora: sua vaidade, amor
pelas coisas bonitas e modismos passageiros fazem dela o alvo perfeito.
Porém,
nem todo o humor do livro é de variedade gentil. A fantástica descrição mordaz
da frívola e superficial Sra. Moffat tem um genuíno ferrão em sua cauda. A
cultura dos Moffat de vaidosa superficialidade, como testemunhado pela
impessionável Meg, é fortemente reprovada por desencorajar todos os valores
cultivados por marmee.
O livro
agrada não somente pela admirável criatividade com que as garotas se entretêm -
os sóbrios e zombeteiros rituais adultos do clube Pickwick, o divertimento das
esnobes crianças com o jogo de "autores" de Jo -, como também a forma
como a linguagem descritiva é usada. Enquanto mantêm um infalível foco na
claridade de expressão, a prosa de Alcott irradia vitalidade e bom humor.
Algumas palavras cuidadosamente escolhidas falam muito sobre seus personagens e
definem os aspectos positivos de qualquer situação ou circunstância. A ênfase
está sempre na alegria que a vida pode oferecer: todos os ricos prazeres das
coisas estão sempre disponíveis.
Outro
elemento descritivo que encanta é o uso frequente das imagens retiradas da
natureza. Os pássaros são uma preferência particular: Beth se refere as meninas
como pássaros em seu pequeno ninho e Jo é descrita como uma ovelha sem lã em um
dia de inverno quando ela vende seus cabelos para mandar dinheiro para o
tratamento do pai - uma das mais belas cenas do livro -, dentre outras
referências. Essas imagens, finalmente, acabam por enfatizar o ideal cristão de
harmonia com o mundo de Deus.
Enquanto muitas alegrias são divididas, cada menina aproveita a vida em seu modo particular. No fim do primeiro cápitulo, o leitor já possui um senso bem definido da personalidade de cada garota, que é seguido por diferenças também físicas e de indumentária. Em algumas ocasiões, Alcott aplica uma técnica, frequentemente com efeito cômico, onde ela dá a cada garota uma resposta diferente à mesma situação. Em uma acalorada ocasião, "Jo riu, Meg censurou, Beth implorou e Amy lamentou-se". Essa nítida descrição tanto define a atitude de cada garota diante da vida, quanto enfatiza suas diferenças coletivas.
Ainda
que as garotas sejam as grandes protagonistas da narrativa, marmee é o Sol ao redor do qual
elas orbitam e que fornece a dinâmica organizacional do livro. Quando ela está
longe, a casa se atrofia e as meninas sentem-se muito perdidas. Ao aparecer
esporadicamente através do livro, sua influência permeia em cada página. Este é
um livro definido pelo amor de mãe e o desejo materno de criar bem suas filhas
e prepará-las para suas futuras vidas. Little
Women dramatiza a
educação dos filhos de forma que a mãe enfrenta diferentes dilemas com cada garota,
uma experiência extendida pelo fato de que ela é, efetivamente, uma "mãe
sozinha", uma vez que o pai nem sempre está presente.
O trato
de Alcott com os papéis da maternidade e seus desafios torna-se ainda mais
impressionante pelo fato de que ela nunca foi mãe. Por outro lado, talvez seja
esse mesmo o motivo pelo qual sua voz narrativa é definida por esse papel
maternal, como vemos com a família March, para a qual demonstra querer sempre o
melhor, mas sem a timidez de oferecer uma palavra gentil de crítica
construtiva. É, assim, irrefutável, que o livro é definido pela influência
matriarcal, tanto da própria marmee,
quanto da prrsença maternal da narradora.Ainda assim, não é um livro só para
garotas. A ausência do Sr. March cria um vazio no coração da narrativa e da
vida familiar que é somente preenchido com seu retorno. Little Women é um livro para a vida e para
uma variedade de leitores muito além da imaginação de sua modesta autora.
Videocuriosidades:
Em 1949, surgiu a primeira adaptação cinematográfica da obra, dirigida por Mervyn Leroy e traduzida para o português como "Quatro destinos". Estrelaram June Allyson, Peter Lawford e Margaret O'Brien.
Uma nova adaptação foi realizada em 1994 com um incrível elenco: Susan Sarandon, Winona Ryder, Kirsten Dust e Christian Bale. O filme, traduzido como "Adoráveis Mulheres", é excelente, com ótimas atuações - como era de se esperar - e uma compressão bem feita da história.
Ambos os longas vão além da história de "Little Women", incluindo também sua sequência "Good Wives".