Uma vez mais, trago para este blog um humilde comentário sobre uma obra-prima do maior dramaturgo da literatura universal. William Shakespeare, que escrevia suas peças para um pequeno teatro de repertório, no final do século XVI e início do XVII, tem, mais de 400 anos depois, suas histórias como base para excelentes adaptações. A sua produção engrandeceu o teatro, trazendo ao palco as personagens mais intrigantes, dentre as quais figura o sujeito de nossos comentários.
Segundo estudiosos, é em 1600 que nosso autor atinge a maturidade literária, com a peça "Hamlet", diferentemente da obra anteriormente aqui postada "A Megera Domada", que pertence a primeira fase de seus escritos. Esta última, inserida no grupo de comédia de costumes, difere da primeira, que, rodeada por uma natureza histórica, apresenta, em sua essência, a natureza humana e suas contradições.
Na realidade, o mito de Hamlet é antiquíssimo na lenda escandinava. No século XII, surge o primeiro registro escrito dessa história, proveniente do dinamarquês Saxo Grammaticus, no livro "História Danica". Entretanto, Shakespeare, pode-se presumir, inspirou sua obra na publicada por François de Belletorest, inserida em seu livro "Histoires Tragiques", de 1576.
Hamlet é a tragédia da dúvida, do desespero solitário de um homem diante da violência do mundo. Por seu caráter profundo e enigmático, estabelecendo contato intenso com o que há de mais obscuro no ser humano, esta peça é, até hoje, a mais estudada e apresentada do poeta inglês.
O rei da Dinamarca falece. Em seu lugar, sobe ao trono seu irmão que, com pouco tempo do trágico acontecimento, casa-se com a rainha. O príncipe, Hamlet, não consegue aceitar que sua mãe tenha-se retirado do luto, desposando um outro marido, mal o cadáver de seu pai esfriara. Não há nada, porém, que deva-se fazer, apesar da grande amargura do príncipe e da falta de honra e dignidade do casal, que apressadamente desrespeitou a memória do rei, dentro de uma relação considerada incestuosa no período.
Em uma certa noite de vigília, os guardas noturnos do reino começam a ver o espectro do pai de Hamlet e, apesar de quase não acreditarem em seus olhos, alertam o príncipe. Este tenta comunicar-se com o espectro que, de fato, aparenta ser seu pai e acaba por descobrir uma informação importantíssima: Cláudio havia envenenado o rei da Dinamarca e seduzido sua esposa, adquirindo, assim, tudo que pertencia ao seu irmão - o trono e a rainha.
A indignação de Hamlet não poderia ser colocada em palavras. A dúvida paira sobre a cabeça do personagem. O que, afinal, deveria ser feito? O desejo de vingança é grande, mas não lhe parece correto. Ele passa, então, a agir de uma maneira que os cortesões, o rei e a rainha consideram insanidade. Aproveitando-se disso, o príncipe ganha tempo para tramar a melhor forma de desmascarar o rei.
Enquanto isso, um projeto de romance é colocado para o leitor: Hamlet é apaixonado por Ofélia, filha de Polônio, um lorde camarista que é o principal conselheiro do rei.
Pois bem, após muitas reviravoltas, onde o rei, desconfiado de seu sobrinho, tenta descobrir o que se passa na cabeça dele, Hamlet tem uma conversa com sua mãe e consegue abrir os olhos dela para a falta de caráter do rei, bem como a péssima atitude que ela havia tomado. Esta conversa, porém, tinha sido escutada por Polônio atrás das cortinas (coisa muito típica e quase um clichê de dramas envolvendo traições). O princípe, contudo, detecta algo errado no ambiente e acaba por dar um golpe de espada na cortina, assassinando o pai de sua amada.
Ofélia enlouquece e é "vítima" de uma morte misteriosa, que nos dá um diálogo muito interessante entre os coveiros que cavavam sua sepultura:
Com tantas tragédias em sua família, ocasionadas, ainda que não de todo intencionalmente, por Hamlet, o irmão de Ofélia, Laertes, resolve vingar-se. Alia-se, portanto, ao rei.
O clímax do livro ocorre com a utilização de um artifício interessante e original: o teatro dentro do teatro. Aproveitando-se da capacidade que a dramaturgia tem de penetrar no íntimo do ser humano, fazendo-o refletir e demonstrar as mais diversas reações, Hamlet propõe a um grupo de atores (que seria a representação do grupo de teatro de Shakespeare) que apresente uma peça que contaria a mesma história de traição, corrupção, incesto e imoralidade de sua vida real. De fato, a representação afeta o rei, que retira-se do recinto, desmascarando-se, com esta atitude, aos olhos de Hamlet.
Finalmente, o rei trama uma luta entre Laertes e Hamlet. Para garantir a morte deste último, o florete de Laertes é envenenado, bem como um copo de vinho, servido a Hamlet entre os jogos. Mas o tiro sai pela culatra quando a rainha, Gertrudes, bebe o vinho que seria de seu filho. A seguir Laertes fere Hamlet e, após troca de floretes, Hamlet fere Laertes. No ímpeto deste momento, a rainha morre e o príncipe, percebendo a traição, usa suas últimas gotas de ânimo para ferir o rei antes de morrer.
Enquanto isso, um projeto de romance é colocado para o leitor: Hamlet é apaixonado por Ofélia, filha de Polônio, um lorde camarista que é o principal conselheiro do rei.
Pois bem, após muitas reviravoltas, onde o rei, desconfiado de seu sobrinho, tenta descobrir o que se passa na cabeça dele, Hamlet tem uma conversa com sua mãe e consegue abrir os olhos dela para a falta de caráter do rei, bem como a péssima atitude que ela havia tomado. Esta conversa, porém, tinha sido escutada por Polônio atrás das cortinas (coisa muito típica e quase um clichê de dramas envolvendo traições). O princípe, contudo, detecta algo errado no ambiente e acaba por dar um golpe de espada na cortina, assassinando o pai de sua amada.
Ofélia enlouquece e é "vítima" de uma morte misteriosa, que nos dá um diálogo muito interessante entre os coveiros que cavavam sua sepultura:
"PRIMEIRO COVEIRO - E é correto que em terra santa seja sepultada a moça que voluntariamente conspira contra a própria salvação?
SEGUNDO COVEIRO - Posso te dizer que sim. Portanto cave logo a sepultura que irá recebê-la. O comissário já examinou o caso e decidiu que o enterro deve ser cristão.
PRIMEIRO COVEIRO - Como pode ser isso? A menos que ela tenha se afogado em defesa própria!
SEGUNDO COVEIRO - Foi mais ou menos isso que acharam.
PRIMEIRO COVEIRO - Deve ter sido se defendendo. Não pode ter sido de outra maneira! Porque aqui está o ponto: se eu me afogar intencionalmente, isto denota um ato, e um ato tem três partes que são: agir, fazer e executar. Então, ela se afogou intencionalmente.
SEGUNDO COVEIRO - Mas escuta, camarada...
PRIMEIRO COVEIRO - Com licença! Aqui está a água; bom, e aqui está o homem; bem. Se o homem vai em direção desta água e se afoga, queira ou não, é caso que vai. Preste bem atenção. Mas se a água vai até ele e o afoga, ele não se afoga a si mesmo. Portanto, aquele que não é culpado da própria morte, não abrevia a própria vida.
SEGUNDO COVEIRO - Mas a lei é assim?
PRIMEIRO COVEIRO - Exatamente! Lei baseada na informação do comissário.
SEGUNDO COVEIRO - Só sei de uma coisa, se essa não fosse uma dama da nobreza, não seria sepultada como cristã.
PRIMEIRO COVEIRO - Isso mesmo! E o mais triste disso é que os grandes têm mais facilidades neste mundo para se afogar ou se enforcar.[...] Enquanto eles se julgam eternos nós é que construímos as cidades mais duradouras. Sabe por quê?
SEGUNDO COVEIRO - Realmente, juro que não sei!
PRIMEIRO COVEIRO - Não atormente mais sua cabeça oca com isso. A idéia é que o coveiro constrói casas que duram até o dia do Juízo Final. (Pausa) Agora vá buscar um tanto d'água que tenho de terminar isso ainda hoje!"
O clímax do livro ocorre com a utilização de um artifício interessante e original: o teatro dentro do teatro. Aproveitando-se da capacidade que a dramaturgia tem de penetrar no íntimo do ser humano, fazendo-o refletir e demonstrar as mais diversas reações, Hamlet propõe a um grupo de atores (que seria a representação do grupo de teatro de Shakespeare) que apresente uma peça que contaria a mesma história de traição, corrupção, incesto e imoralidade de sua vida real. De fato, a representação afeta o rei, que retira-se do recinto, desmascarando-se, com esta atitude, aos olhos de Hamlet.
Finalmente, o rei trama uma luta entre Laertes e Hamlet. Para garantir a morte deste último, o florete de Laertes é envenenado, bem como um copo de vinho, servido a Hamlet entre os jogos. Mas o tiro sai pela culatra quando a rainha, Gertrudes, bebe o vinho que seria de seu filho. A seguir Laertes fere Hamlet e, após troca de floretes, Hamlet fere Laertes. No ímpeto deste momento, a rainha morre e o príncipe, percebendo a traição, usa suas últimas gotas de ânimo para ferir o rei antes de morrer.
O forte caráter de Cláudio, o rei da Dinamarca e vilão de nossa história, torna-se um traço de valor e cede à trama uma complexidade que não poderia ser alcançada com a simples representação da luta contra o bem e o mal. Aspectos extremamente frequentes nas obras de Shakespeare, como as aparências que enganam e o predomínio das paixões sobre a razão, embalam com fervor a história de Hamlet.
Devido à vívida dramatização da melancolia e da insanidade na peça, suas personagens foram encaradas, durante muito tempo, como obscuras, misteriosas e, até mesmo, místicas. A confusão de um homem em meio a um ambiente de loucura real e loucura fingida, com emoções que partem do sofrimento opressivo até a raiva fervorosa, torna a obra ainda mais intrigante estudiosos e psicanalistas, fazendo-a interpretada e debatida através de diversas perspectivas.
Críticos psicanalíticos, mais recentemente, tentam examinar a mente inconsciente de Hamlet, enquanto críticos feministas reavaliam e reabilitam o caráter de personagens como Ofélia e Gertrudes.
A hesitação de Hamlet ao matar seu tio, por exemplo, é um aspecto ainda misterioso para muitos. Alguns encaram o ato como uma técnica de prolongação do enredo, mas outros o vêem como resultado da pressão exercida pelas complexas questões éticas e filosóficas que cercam o assassinato a sangue-frio, resultado de uma vingança calculada e um desejo frustrado. Freud interpretou esta situação como uma espécie de complexo de Édipo.
Nosso protagonista possui também um caráter filosófico, expondo idéias agora conhecidas como relativistas, existencialistas e céticas. Uma forte exemplificação deste relativismo é expresso em seu diálogo com Rosencrantz, na seguinte frase: "[...] nada é bom ou mau, a não ser por força do pensamento." A reflexão de que nada é mau, exceto na mente do indivíduo, encontra raízes nos gregos sofistas, crentes de que, uma vez que nada pode ser percebido, exceto através dos sentidos - e uma vez que todas as pessoas percebem as coisas diferentemente entre si - não há verdade absoluta, apenas a verdade relativa sobre as coisas (e eu não poderia ser mais de acordo com essa idéia).
O exemplo mais claro do existencialismo, contudo, está no célebre e famoso monólogo da tragédia:
Indico este link de uma reflexão de Leandro Karnal em cima da peça: https://www.google.fr/search?q=%09Hamlet+e+o+Mundo+como+Palco&ie=utf-8&oe=utf-8&gws_rd=cr&ei=WdQyV-6lDMa4ad_dqtAC
Devido à vívida dramatização da melancolia e da insanidade na peça, suas personagens foram encaradas, durante muito tempo, como obscuras, misteriosas e, até mesmo, místicas. A confusão de um homem em meio a um ambiente de loucura real e loucura fingida, com emoções que partem do sofrimento opressivo até a raiva fervorosa, torna a obra ainda mais intrigante estudiosos e psicanalistas, fazendo-a interpretada e debatida através de diversas perspectivas.
Críticos psicanalíticos, mais recentemente, tentam examinar a mente inconsciente de Hamlet, enquanto críticos feministas reavaliam e reabilitam o caráter de personagens como Ofélia e Gertrudes.
A hesitação de Hamlet ao matar seu tio, por exemplo, é um aspecto ainda misterioso para muitos. Alguns encaram o ato como uma técnica de prolongação do enredo, mas outros o vêem como resultado da pressão exercida pelas complexas questões éticas e filosóficas que cercam o assassinato a sangue-frio, resultado de uma vingança calculada e um desejo frustrado. Freud interpretou esta situação como uma espécie de complexo de Édipo.
Nosso protagonista possui também um caráter filosófico, expondo idéias agora conhecidas como relativistas, existencialistas e céticas. Uma forte exemplificação deste relativismo é expresso em seu diálogo com Rosencrantz, na seguinte frase: "[...] nada é bom ou mau, a não ser por força do pensamento." A reflexão de que nada é mau, exceto na mente do indivíduo, encontra raízes nos gregos sofistas, crentes de que, uma vez que nada pode ser percebido, exceto através dos sentidos - e uma vez que todas as pessoas percebem as coisas diferentemente entre si - não há verdade absoluta, apenas a verdade relativa sobre as coisas (e eu não poderia ser mais de acordo com essa idéia).
O exemplo mais claro do existencialismo, contudo, está no célebre e famoso monólogo da tragédia:
"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nossos espírito sofrer pedras e setas com que a fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provocações e, em ula, pôr-lhes fim? Morrer... dormir: não mais. Dizer que rematamos com um sono a angústia e as mil pelejas naturais - herança do homem: morrer para dormir... é uma consumação que bem merece e desejamos com fervor [...]"
Os críticos acreditam que Hamlet usa "ser" para aludir à vida e à ação, e "não ser" aludindo à morte e a inércia.
Não me permito adentrar em divagações e reflexões, utilizando-me de minha pobre (diante de tanta riqueza literária) capacidade de interpretação. Ficarei, portanto, com o resto de minhas análises, dando aos leitores deste blog que se interessarem (e, se me permitem afirmar, não tem como não criar curiosidade pelos mistérios psicanalíticos de tal trama) a possibilidade de criarem suas próprias interpretações, que podem ser as mais diversas e apreciar a obra, desde seu conteúdo mais simples à sua mais extremada concepção.
Video-curiosidades:
Criada com o intuito de ser apresentado em palcos, a obra, obviamente, foi apresentada milhares de vezes, através das mais diversas perspectivas e atuações.
Em 1948, uma adaptação cinematográfica dirigida e protagonizada por Laurence Olivier estreou nos cinemas.
Em 1990, o filme dirigido por Franco Zefirelli é lançado, estrelando Mel Gibson e Glenn Close.
Em 1996, com Keneth Branagh como Hamlet, outra adaptação surge nos cinemas.
Vários atores brasileiros renomados, como Edson Celulari, Diogo Vilela e Wagner Moura encenaram Hamlet no teatro, merecendo ovações por suas brilhantes atuações. De fato, trazer uma trama tão rica e misteriosa para o teatro brasileiro, e, como ator, ter a audácia de interpretar um personagem tão perturbado e intrigante é, de fato, digno de não somente aplausos, mas principalmente agradecimento.
Criada com o intuito de ser apresentado em palcos, a obra, obviamente, foi apresentada milhares de vezes, através das mais diversas perspectivas e atuações.
Em 1948, uma adaptação cinematográfica dirigida e protagonizada por Laurence Olivier estreou nos cinemas.
Em 1990, o filme dirigido por Franco Zefirelli é lançado, estrelando Mel Gibson e Glenn Close.
Em 1996, com Keneth Branagh como Hamlet, outra adaptação surge nos cinemas.
Vários atores brasileiros renomados, como Edson Celulari, Diogo Vilela e Wagner Moura encenaram Hamlet no teatro, merecendo ovações por suas brilhantes atuações. De fato, trazer uma trama tão rica e misteriosa para o teatro brasileiro, e, como ator, ter a audácia de interpretar um personagem tão perturbado e intrigante é, de fato, digno de não somente aplausos, mas principalmente agradecimento.
Indico este link de uma reflexão de Leandro Karnal em cima da peça: https://www.google.fr/search?q=%09Hamlet+e+o+Mundo+como+Palco&ie=utf-8&oe=utf-8&gws_rd=cr&ei=WdQyV-6lDMa4ad_dqtAC