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quinta-feira, 22 de julho de 2010

"O Amor nos Tempos do Cólera", Gabriel Garcia Marquez

"El amor en los tiempos del cólera" ("O amor nos tempos do cólera"), publicado pela primeira vez em 1985, é um belo romance que passou a ser considerado um clássico da literatura mundial, já que conseguiu retratar o modo de vida e os costumes de toda uma população em um período de dor e perdas na América Latina: a época do cólera. O livro, que tem alguns aspectos de realismo fantástico, foi escrito pelo colombiano Gabriel García Márquez, que ganhou o Prêmio Nobel da Literatura em 1982.
As primeiras 70 páginas do livro não encantam, mas não devemos nos abalar pelas primeiras impressões. O romance conta a história de Florentino Ariza, um rapaz pobre que vai trabalhar como telegrafista para o tio e, indo entregar um telegrama na casa de um comerciante rico da cidade, acaba por se apaixonar por sua filha, a bela Fermina Daza. O casal começa a se corresponder através de cartas, com a ajuda da tia da menina, e assumem o compromisso de se casar. O pai de Fermina, ao descobrir, faz com que ela passe um ano na casa da prima Hildebranda para esquecer seu noivo, mas eles encontram uma maneira de se corresponder. Quando ela volta para casa, um dia, passeando na feira, se encontra com ele e percebe que tudo aquilo que sonhou era uma ilusão. Fermina não sente nada por ele, a não ser pena, e põe fim ao noivado. Com pouco tempo, ela casa com um médico muito famoso na cidade, que tem sido o responsável por salvar muitas pessoas do cólera. Assim começa o tormento de Florentino Ariza, que toma o casamento da amada com estímulo para sua ascensão profissional, já que resolve se tornar um bom partido para ela e decide que vai esperar até que o marido de sua amada morra, independente de quanto tempo isso leve. Paralelamente à sua busca por status profissional e financeiro, ele se relaciona com diversas mulheres, sem se deixar envolver profundamente com nenhuma. No decorrer da história, nós conhecemos as mais marcantes, que deixaram rastros em sua vida por aspectos diferentes. Sua única busca e espera, porém, é o amor da sua inesquecível Fermina. Por ela, Florentino espera 52 anos.
É impressionante como Gabriel García Márquez é capaz de nos fazer entrar na história. Desde o momento em que conhecemos os personagens até o fim do livro, nós vivemos 52 anos junto a eles, nós amadurecemos com eles. Não é qualquer escritor que consegue envelhecer, sem mediocrizar, suas criações, dando-lhes a sabedoria e maturidade de pessoas mais velhas, sem permitir que elas percam suas características originais. É fabulosa a capacidade literária do autor.

No livro, existe a colocação do amor como uma doença, com os mesmos sintomas do cólera. Um amor que sai das entranhas do indivíduo e se torna físico, real. É um sentimento apresentado em suas diversas faces, de uma maneira que poderia ser chamada naturalista, se não levássemos em conta a compostura e discrição do nosso protagonista. O amor romântico, que Florentino sente por Fermina, é retratado como o amor da cintura para cima, e o amor carnal, que permeia os inúmeros outros relacionamentos do personagem no desenrolar da obra, é o amor da cintura para baixo.
O tempo é, concomitantemente, a bruxa má e a fada madrinha da história. Do mesmo modo que ele desgasta, cansa e envelhece nossos protagonistas, ele lhes dá experiências de vida, maturidade, capacidade de amar sem medo, sem fronteiras, de aproveitar esse amor da maneira mais bela possível, já que não há mais muito tempo. Ele ajuda Florentino a encontrar uma maneira de se aproximar de Fermina sem assustá-la. O que para alguns pode parecer grotesco, como o hálito de velha de Fermina Daza beijando Florentino Ariza, é tido como uma vitória do amor, um amor que ultrapassa até as barreiras do tempo. O livro é também um protesto ao preconceito da sociedade com relação à idade de amar, representado por Ofélia, a filha de Fermina. Para o amor, não existe idade, e um amor maduro pode ser ainda mais bonito, mais romântico. A paciência e a espera de Florentino nos ensinam que a vida não precisa ser vivida com pressa e que devemos sim esperar os bons frutos do futuro, mas sem querer acelerar o tempo, porque nossos anseios vão se acabar no momento certo.
Apesar do romance, "O amor nos tempos de cólera" não é uma narrativa melosa, nem melodramática como as do romantismo. É, pelo contrário, bastante realista para uma história de amor. Os sentimentos de Fermina, por exemplo, nunca são completamente retratados, para trazer à personagem o mistério que lhe é próprio. E, ao fim do livro, não sabemos se por um momento ela amou Florentino, nem o médico com o qual se causou. Existem suposições de outros personagens sobre seus sentimentos, mas eles nunca são apresentados claramente. O amor demonstrado por Fermina é sempre apático e ela não é, definitivamente, a mocinha sensível e apaixonada da história. Parte do realismo da trama também é percebido em momentos como as viagens de barco. No ínicio do livro, Florentino faz uma viagem de barco e, nas margens do rio por onde eles navegavam, encontra-se muita natureza, crocodilos, corpos de pessoas mortas pelo cólera ao longe. Ao fim, outra viagem é feita e as florestas estão devastadas, os crocodilos morreram e, graças à cura do cólera que vinha se consolidando aos poucos, não havia mais tantas pessoas mortas pela doença.
O livro é, sem dúvida, uma obra-prima fantástica, que prende o leitor até o fim.

Video-curiosidades:
Em 2009, o livro virou um filme dirigido por Mike Newell, que, por causa da riqueza do livro, não consegue transmitir tudo que podemos inferir da leitura, mas, ainda assim, é muito interessante.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

"Orgulho e Preconceito", Jane Austen

Escrito por Jane Austen e publicado, pela primeira vez em 1813, "Pride and Prejudice" (Orgulho e Preconceito) é uma bela comédia de costumes, de enredo rico e pretensioso, que é um retrato fiel, divertido e inteligente da sociedade inglesa do século XIX.
Elizabeth Bennet é a mais centrada das cinco filhas de Mr. Bennet. Sua doce e meiga irmã Jane é sua grande amiga e confidente, que tem, inerente a sua personalidade, a capacidade de só ver o melhor em cada um. O livro se inicia com a chegada na cidade de Mr. Bingley, um rapaz bonito, rico e solteiro que deixa todas as moças e sua mães, incluindo a própria Mrs. Bennet, em euforia e excitação para conseguir um bom casamento para suas filhas. No desenrolar inicial do romance, temos a impressão de que nossos protagonistas são, na verdade, os apaixonados Mr. Bingley e Jane Bennet e podemos pensar, inclusive, que o vilão da história é o sarcástico e preconceituoso Mr. Darcy.
Elizabeth, bem como toda a cidade, logo no primeiro baile em que Mr. Darcy surge, tem uma péssima impressão de seu temperamento e personalidade e começa acusá-lo internamente de prepotente. Ela acredita que ele tem uma propensão a odiar todo mundo. Da mesma maneira, o preconceito de Mr. Darcy faz com que ele veja as pessoas daquele interior como interesseiras e mesquinhas, o que não é de fato uma falsa afirmação, em se tratando das irmãs mais novas e da própria mãe de Elizabeth. Muitos personagens surgem, no decorrer da história, para reafirmar uma possível falta de caráter e um péssimo temperamento em Mr. Darcy. Em determinado ponto da trama, no entanto, não apenas nós, leitores, mas a própria Elizabeth se dá conta de que todo o orgulho e o preconceito que ela vira em Mr. Darcy de repente podia ser percebido nela mesma com relação a ele. Sua inocência de garota de 20 anos, no entanto, a cega para o fato de que as pessoas não podem ser julgadas pelo que demonstram com suas aparências. Ela percebe que ele não é apenas um homem, educado, honesto e de caráter, como também é um homem bondoso e até solidário. Ele, por outro lado, começa a perceber as verdadeiras qualidades dela. O que eles não conseguem perceber é que dividem uma mesma linha lógica e racional de pensamento e tem tendência a encontrar defeitos na personalidade das outras pessoas, ou seja, eles são, na verdade, muito parecidos nesse aspecto. Aos poucos, Mr. Darcy e Elizabeth aprendem a superar o sentimento de ódio mútuo e, ao final, eles percebem que estão completamente apaixonados e resolvem enfrentar os preconceitos de ambas as famílias para ficarem juntos. O romance, portanto, ridiculariza a noção de "amor à primeira vista" e tenta nos mostrar que relacionamentos satisfatórios só podem se desenvolver gradualmente.

Não é à toa que Austen planejou, originalmente, entitular seu livro de "First Impressions" ("Primeiras Impressões"). O livro trata do impacto inicial que a imagem de um indivíduo pode provocar no outro. Há uma passagem em que Jane afirma o quanto Mr. Darcy tem dificuldade de demonstrar ter um bom temperamento, o que é diferente de realmente não ter um bom temperamento, como poderíamos complementar. O título original não foi adotado, pois uma escritora contemporânea, Mrs. Holford, publicou um romance com esse antes.
A obra explora os costumes da época e satiriza o comportamento fútil e interesseiro das pessoas, com uma aguda percepção, capaz de dar ao romance inglês um primeiro impulso à modernidade. A autora se utiliza de bailes, jogos de baralho, visitas, passeios diurnos e cartas para levar à interação de seus personagens e, dessa maneira, nos apresenta aos meios de socialização do período.
Austen nos coloca frente a um duelo entre as verdades universamente conhecidas da sociedade e os autênticos sentimentos humanos, ou seja, entre o conformismo e a capacidade de cada um de formular suas próprias opiniões. O choque de idéias se desdobra em uma ironia na primeira linha do livro: "É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna necessita de uma esposa." E os costumes, bem como o excesso de interesse das famílias da época, vem logo a seguir: "Por muito pouco que se conheçam os sentimentos ou modo de pensar de tal homem ao entrar pela primeira vez numa vizinhança, esta verdade encontra-se de tal modo enraizada nos espíritos das famílias circundantes que ele é logo considerado como propriedade legítima desta ou daquela de suas filhas." A única maneira que as moças do período tinham de garantir um bom futuro era através do casamento, e não podemos culpá-las, pois o espaço das mulheres na sociedade era ínfimo e havia uma enorme quantidade de requisições para que uma moça de família fosse tida como um bom partido, como saber cozinhar, desenhar, cantar, tocar piano e, é claro, ter um belo dote. Podemos perceber, dentro da ironia da autora, discretas noções feministas imputadas nas entrelinhas da obra.
A mais amada obra de Austen é uma história memorável sobre a falta de veracidade das primeiras impressões, sobre o poder da razão e sobre a estranha dinâmica que envolve os relacionamentos humanos e as emoções. A leitura de "Pride and Prejudice" não deve ser feita da mesma maneira que se lê um romance contemporâneo insípido, mas prestando atenção na riqueza dos conceitos comportamentais e emocionais que existem até hoje, apesar de se apresentarem de uma outra maneira. Através de qualquer âmbito, no entanto, pode-se afirmar que o livro é espetacular.

Video-curiosidades:
Em 1940, surge a primeira adaptação cinematográfica do filme, estrelando Greer Garson e Laurence Olivier.
O filme "O Diário de Bridget Jones" é uma adaptação moderna, estrelando Renne Zellweger como Elizabeth e Colin Firth como Mr. Darcy.
Finalmente, em 2005, sobre a direção de Joe Wright e com a indicada ao Oscar Keyra Knightley, como Elizabeth e Matthew Macfaydyen, como Mr. Darcy, uma adaptação pela qual eu tenho um carinho especial.